Distribuição Seletiva: Será que agora vai?

Distribuição Seletiva: Será que agora vai?

O mercado de distribuição seletiva nunca teve condições tão boas para crescer no Brasil

Nas últimas três décadas, o mercado de distribuição seletiva no Brasil viveu sempre à base de grandes expectativas. Chegaria o momento no qual ele avançaria de forma sustentável e consistente, garantindo uma fatia maior dentro do mercado brasileiro e transformando o País num polo de consumo (interno) relevante no jogo de natureza global que rege o mercado de cosméticos e perfumes de luxo.

Mas, o que aconteceu foi que o mercado seletivo alternou momentos abruptos de alta euforia e frustrações equivalentes. O resultado dessa inconstância é que o canal avançou, mas nunca de forma contínua e consistente.

Os tempos de grande euforia foram acompanhados por movimentos importantes: da chegada da rede portuguesa Polimaia (o primeiro player internacional e com uma linguagem de loja mais moderna a chegar ao varejo seletivo) e a entrada da Renner no segmento de perfumaria nos anos 2000; ao crescimento da Saks (o primeiro e-commerce de perfumaria seletiva relevante no País), vendida para a Sephora e a própria chegada da gigante do varejo de beleza com lojas físicas ao Brasil, movimento seguido pouco tempo depois pela entrada do Grupo Boticário no segmento, com a inauguração da The Beauty Box.

Esses mesmos atores, como não poderia deixar de ser, sofreram os impactos dos movimentos de baixa repentina do mercado. Com exceção da Renner, no qual a venda de perfumes e cosméticos exerce um papel auxiliar, todas as varejistas não conseguiram executar seus planos como previsto. Seja em termos de expansão ou de posicionamento e modelo de negócios.

Se o Brasil é um país com dificuldade para se livrar das inconstâncias econômicas, sociais e políticas de curtíssimo prazo, o que leva alguns dos principais atores do setor a acreditar que, agora, o mercado de distribuição seletiva vai conseguir crescer de forma consistente no médio e no longo prazo?

Um dos fatores que contribui para isso é que, mesmo com a montanha russa que esse segmento viveu ao longo dos últimos 20 anos, todos os atores listados acima continuam comprometidos com o negócio de distribuição seletiva, dando uma base de sustentação que esse mercado jamais teve. E, a eles, somaram-se outros nomes importantes como a Riachuelo, que opera um número de lojas próximo ao da Renner (o maior vendedor de perfumaria seletiva do Brasil, graças ao grande volume de lojas que opera); e mais recentemente da C&A (num estágio ainda inicial). Até a Havan, rede de lojas de departamento do polêmico empresário Luciano Hang, oferece a perfumaria seletiva em suas lojas no Sul do País.

Também o e-commerce avançou fortemente com o crescimento da Época, que hoje é parte da gigante Magazine Luiza; e a entrada da Beleza na Web, que de um player focado em produtos profissionais para os cabelos, passou a atuar com todas as categorias de distribuição seletiva. O e-commerce criado por Alexandre Seródio é hoje parte do Grupo Boticário. Além disso, as perfumarias tradicionais, que foram as que mais sofreram no decorrer dos anos, passaram a se organizar sob o guarda-chuva da Associação Brasileira de Perfumarias Seletivas (ABPS), numa forma de fortalecer sua posição e relevância perante os grandes novos players do mercado.

Resumindo, depois de muito tempo, é possível dizer que o bolo da distribuição seletiva cresceu bastante, com capilaridade e acesso para consumidores de diferentes perfis nas grandes e médias cidades brasileiras.

Esse movimento resolve um problema histórico para o mercado: a falta de uma rede de distribuição que permitisse as empresas que operam com produtos seletivos crescer, mas mantendo algum nível de controle sobre a exposição e a construção das suas marcas. “Essa foi a primeira década com o canal de distribuição de cosméticos e perfumes de luxo fortalecido. E temos movimentos novos de expansão, em ambientes muito mais controlados para as marcas, como em mais lojas de departamento”, explica Daniel Morimoto, diretor da Segmenta, uma consultoria que cobre os números de vendas no mercado de distribuição seletiva em toda a América Latina.

Além disso, especialmente de dois anos para cá, o mercado se profissionalizou muito e hoje opera com base em muitos dados, estatísticas e informações disponíveis. “Não é só porque uma marca é boa ou famosa que ela vai ser mantida pelo varejista. Eles têm foco em rentabilidade e no que aquela marca vai agregar ao consumidor dele”, diz Cláudio Eschecolla, diretor-executivo da Vizcaya, uma das mais antigas operadoras do mercado seletivo no País, com marcas como Montblanc, Coach, Hermés e Burberry. Essa maior sofisticação na gestão fez com que as empresas precisassem conduzir esse negócio de outra forma. “No passado, não existia a preocupação com o sell out. Agora, eu sou corresponsável pelo resultado do varejista”, afirma o diretor da Vizcaya. “O que tem mudado no segmento de forma geral é que o foco hoje está no sell out”, corrobora Lívio Parente, diretor da centenária Casa Parente, rede com 10 lojas em Fortaleza.

Meu olho engorda meu boi
A maior presença de marcas internacionais com operações próprias em solo brasileiro foi outro fator que contribuiu para mudar a dinâmica dos números no mercado seletivo.

No início dos anos 2000, apenas L’Oréal, LVMH e Shiseido dispunham de filiais no Brasil. Hoje, além delas, Puig, Estée Lauder e, mais recentemente, a Coty operam diretamente seus negócios por aqui. Isso muda a disposição de investir no mercado local. Com musculatura financeira, esses players globais podem aportar recursos olhando realmente para a construção do mercado no longo prazo, sem correrem o risco de perder a distribuição das suas marcas tão logo o negócio ganhe escala.

É verdade que, por muito tempo, as operações tupiniquins das empresas de luxo se dedicaram muito mais a construir suas marcas no Brasil para que elas fossem procuradas e compradas pelos ávidos consumidores locais em Miami, Nova York, Paris ou qualquer outro destino ou aeroporto internacional. Estima-se que 60% do consumo legal de cosméticos e perfumes seletivos eram realizado fora do País.

Com a diferença de preços no Brasil – então bastante significativa –, fazia sentido para um consumidor de classe A/B, que vinha viajando cada vez mais, comprar no exterior. Para as empresas, como o dinheiro no final das contas acaba no mesmo bolso e sabendo da importância do consumidor brasileiro nas vendas internacionais, fazia todo sentido manter as operações por aqui para fomentar essas vendas. “A maioria das marcas acha importante construir presença e uma imagem da marca no mercado brasileiro. Os grandes conglomerados têm acordos especiais e podem montar isso como uma estratégia mundial”, pontua Lucinda Nir, vice-presidente da Excellence, distribuidora que traz para o Brasil marcas como Marina de Bourbon, Animale, Creed, Talika e Mávala.

Entretanto, na medida em que a economia brasileira andava para trás, quando muito de lado, e os brasileiros começam a deixar de viajar para o exterior, surgiu a oportunidade de trazer esse consumidor que se acostumou a comprar fora, para o varejo local. “Nosso principal concorrente sempre foram as viagens internacionais. Era uma obrigação fazer compras de cosméticos e perfumes quando se viajava”, concorda Andrea Olim, gerente de Marketing da marca japonesa Shiseido, uma das líderes no mercado de skincare na distribuição seletiva local. A executiva acredita que agora que terão de ficar no País, os brasileiros vão ter que comprar aqui. “Muitas consumidoras vão experimentar comprar no Brasil pela primeira vez, em lojas nas quais elas nunca compraram”, diz.

A essa restrição no orçamento para viagens internacionais, que deve se acelerar no curto prazo, se somou outro fator tão importante quanto para o ótimo resultado dos últimos anos: o alinhamento de preços do Brasil com os do exterior. “O fator preço beneficiou o consumo no mercado interno”, afirma Morimoto, da Segmenta.

Em 2018 e 2019, os preços estiveram alinhados com o mercado internacional e até mais baratos do que em alguns países e lojas dutty free. Esse alinhamento de preços veio acompanhado de muito mais investimentos no Brasil. Com as marcas “bombando” na mídia, uma distribuição com muito mais capilaridade e acesso para os consumidores e, de quebra, a brasileiríssima facilidade do parcelamento em várias vezes, mais consumidores passaram a enxergar vantagens em comprar aqui.

Destaque global
Com esse avanço obtido nos últimos anos, o Brasil mudou de status no mercado global da distribuição seletiva. O País é o que apresenta o maior crescimento nas Américas e foi, em 2019, o segundo que mais cresceu em todo o mundo. Claro que a base ainda é baixa, mas é inegável que, até pelo tamanho do País, as oportunidades de negócios que podem ser gerados por aqui voltem a chamar a atenção de atores de todo o mundo.

Com 14 anos de atuação na L’Oréal, o espanhol Christian Campillo, surpreendeu-se com o pequeno tamanho do mercado seletivo no Brasil. “Quando fui chamado para assumir a responsabilidade eu topei, porque me surpreendeu o volume de oportunidades. Inclusive porque os brasileiros estavam entre os maiores compradores de cosméticos de luxo no travel retail”, conta o executivo. Ao aceitar o convite para responder por toda a operação comercial da divisão de Luxo no Brasil, dois anos atrás, Campillo e sua chefe, Roberta Sant’Anna, diretora-geral da L’Oréal Luxo, se debruçaram para entender porque os brasileiros não compravam no Brasil. A diferença nos preços era um, mas não o único fator para isso. “Tinha a diferença de preço sim, mas tinha também uma questão de sortimento, que no Brasil era enxuto, da demora nos lançamentos, além do fato de as lojas não estarem preparadas”, pontua.

Para alavancar as vendas a companhia francesa reviu o sortimento no País, deixando-o mais em linha com o consumidor local. Para isso, abriu mão de algumas marcas, como Kiehls, e trouxe outras, como Yves Saint Laureant. A empresa também apostou em acelerar os lançamentos no País para se manter alinhada ao mercado externo. No ano passado, a operação brasileira foi a segunda de maior crescimento da L’Oréal Luxo em todo o mundo.

Em geral, 2018 e 2019 foram anos de grande resultado para o canal no Brasil, que viu as vendas crescerem dois dígitos em suas três categorias principais: perfumes, maquiagem e skincare. De acordo com Cláudio Eschecolla, diretor-executivo da companhia, o mercado cresceu, em média, 20% nos últimos anos. “A gente vinha percebendo algumas melhoras sensíveis no mercado”, concorda Lucinda, da Excellence.

E no meio do caminho tinha um vírus
Vindo de dois anos muito bons, as expectativas do mercado para o ano eram as melhores possíveis.  E as vendas nos primeiros meses apontavam para um 2020 ainda melhor do que os anos anteriores. Na L’Oréal, o sell out nos primeiros três meses cresceu acima de 20% e a expectativa era a de manter os números para o ano próximos desse patamar. A Vizcaya também viu vendas fantásticas em janeiro e fevereiro.

Nem um já esperado aumento de preços, para compensar a forte desvalorização do real desde o ano passado, era visto como um problema capaz de frear o avanço do mercado. Aí o vírus veio e chacoalhou todo o negócio. Mas o impacto sobre o canal se deu de formas distintas para cada um dos seus atores.

Diferentemente de outros segmentos do mercado de beleza, a participação do e-commerce no market share da distribuição seletiva sempre foi muito relevante. Capitaneada por nomes como Sephora, Beleza na Web e Época Cosméticos, as vendas digitais respondiam, em março do ano passado, por 16,7% das vendas de cosméticos e perfumes de luxo no Brasil e vinham crescendo fortemente. Em março deste ano, essa participação saltou para 33,4%. Para a L’Oréal Luxo, o e-commerce tem peso de 12% e cresceu três dígitos no ano passado.

Com as perfumarias e lojas de departamento fechadas, os esforços de vendas das empresas migraram todos para o e-commerce.

Para gerar o sell out, as marcas investiram em um contato mais próximo do consumidor por meio das redes sociais, organizaram lives e conteúdos para os e-commerces e canais digitais dos varejistas, investiram em brindes, amostragem cruzada entre as marcas, mais visibilidade das mídias online e frete grátis. “Foi um período de muito investimento no canal digital. O budget inteiro de mídia foi para o online”, aponta Morimoto, da Segmenta.

Com esse grande esforço, quem já estava bem posicionado e estruturado no digital teve uma vantagem enorme para capturar market share. Além dos três grandes e-commerces especializados, players como Renner, Riachuelo – com e-commerces bem estruturados –, além do Shopluxo (e-commerce grupo Suil), conseguiram surfar na onda logo no início. Desde esse período, todos os players principais vêm se posicionando de forma mais agressiva no mundo virtual. É o caso da Renner, que não costumava trabalhar com preços muito promocionados no digital, mas teve que investir em promoções e descontos mais agressivos para tentar ficar com um quinhão maior das vendas.

É claro que com a abertura das lojas, parte desse bolo deve retornar para as lojas físicas, mas é certo também que uma parcela igualmente significativa vai seguir comprando online. “Mesmo quando as lojas forem reabertas, acredito que chegaremos numa participação do e-commerce que só atingiríamos entre três e cinco anos”, acredita Andrea, da Shiseido. Em julho, a marca japonesa inaugurou seu e-commerce próprio, a primeira operação do tipo na América Latina. O novo canal é uma forma de a empresa obter mais informação do consumidor, entendimento da jornada de compras e aprender a trabalhar no mundo digital.

Perfumarias analógicas
A impossibilidade de abrir as portas por meses levou os varejistas do mercado seletivo que ainda não tinham e-commerce a correr para lançar um ou a pensar em outras formas de atender aos consumidores e vender durante a pandemia.

E quando se olha para as perfumarias seletivas tradicionais, mesmo dentre as maiores, a presença digital era bastante limitada. Das 24 redes que compõe a ABPS – nomes como Opaque, Suil, Fragrance e WorldFree –, que com suas 150 lojas representa cerca de 90% do mercado de perfumarias tradicionais, apenas três operavam e-commerce antes da pandemia. Outros três conseguiram implementar seus portais durante a crise. Um desafio hoje é que operar um e-commerce é muito caro e, como lembra Cláudia da ABPS, não necessariamente por questões tributárias ou mesmo de estoque. O mais custoso é a necessidade de investimentos para divulgar o site da loja.

As outras redes tiveram que recorrer a diferentes estratégias e tecnologias para manter os negócios operando. O bom e velho televendas com delivery e sua versão mais moderna, a venda pelo whatts app, estiveram entre as opções disponíveis, assim como um trabalho mais forte nas mídias sociais para fazer promoções e negócios. Outras lojas fizeram uso dos drive thrus lançados por alguns shoppings. A ABPS realizou um trabalho de acompanhamento de todos os shoppings que estava abrindo e fechando, mapeando quais poderiam trabalhar com delivery, porque os estoques estavam nas lojas. Os marketplaces também surgiram como uma forma de ajuda para quem não tinha seu próprio e-commerce.

De diferentes formas, as empresas vêm dando apoio às perfumarias tradicionais para que elas se insiram nesse ambiente de negócios digital. A Shiseido, por exemplo, realizou treinamentos para vendas via whatts app e qualificou as consultoras e consultores da marca para realizar o atendimento virtual, com ferramentas para atendimento à distância. “Disponibilizamos nossas experts em beleza para uma consultoria de 30 minutos com a cliente, para entender os seus hábitos de beleza, que tipo de produto ele usa e fazer a recomendação em parceria com os nossos clientes”, diz a gerente de Marketing da marca.

Mas o crescimento desses formatos digitais não foi suficiente para absorver o volume de negócios gerado pelas lojas físicas, que seguem sendo o principal mercado para todas as grandes empresas do setor. “O que fizemos foi tentar potencializar ao máximo esse canal para que os consumidores possam seguir comprando nossos produtos. Ele vai seguir sendo forte, mas as lojas não vão deixar de ser o nosso principal mercado”, acredita Campillo, da L’Oréal.

A Casa Parente foi uma das que teve de buscar alternativas para manter o atendimento. “Não conseguimos desenvolver o e-commerce a tempo, mas trabalhamos com vendas por Instagram, whatts app e até por Marketplaces no meio da pandemia”, conta Lívio Parente.

A rede cearense começou o ano com crescimento forte em janeiro e, após o carnaval em fevereiro – mês tradicionalmente fraco para as vendas –, a perspectiva era de que em março as vendas retomariam com força, o que obviamente não aconteceu com o fechamento do comércio. Fortaleza foi uma das primeiras capitais a ser afetada de forma mais severa pela Covid-19. Os negócios foram reabertos no início de junho e, nos primeiros dias, a queda foi considerável, de 30%. O resultado teve a ajuda do Dia dos Namorados e é bem melhor do que os 50% de queda no varejo da cidade.

No geral, os resultados das primeiras semanas de abertura de lojas em diferentes praças têm sido considerados razoáveis, dentro das atuais circunstâncias, claro. “Quando as restrições foram aliviadas e as lojas começaram a reabrir, os resultados de vendas foram interessantes”, conta Lucinda, da Excellence. Logo após a reabertura, as lojas viram uma queda de 40%, 50% no fluxo, mas com taxas de conversão muito superiores.  E o sell out nas lojas vem crescendo semana após semana. “Nossa visão é que quando mais lojas abrirem, a partir de agosto, o mercado voltará a ser positivo e bem acelerado para os últimos dois trimestres do ano”, reforça Christian Campillo.

A competição ficou diferente
Dentro do mercado seletivo, nenhum segmento foi tão atingido pela pandemia quantos as perfumarias seletivas tradicionais, cujas lojas estão localizadas principalmente nos shoppings centers das grandes cidades brasileiras. As empresas que operam nesse segmento vinham de dois anos de muito crescimento e esperavam avançar no mesmo ritmo do mercado, na casa dos 20%, neste ano.

As perfumarias seletivas representam a raiz da distribuição seletiva no Brasil. Por anos elas reinaram absolutas no canal, mesmo que em seu conjunto, lhes faltasse capilaridade e capacidade para se expandir. “Há uns 15 anos, dominávamos o market share do canal, mas fomos perdendo esse share ao longo dos anos”, pontua Cláudia Carvalho, da ABPS.

A posição, outrora dominante, foi sendo erodida pelo avanço do que algumas empresas chamam de “perfumarias modernas”, grupo que inclui as lojas de departamento, além da Sephora e da The Beauty Box e, pelo próprio avanço do e-commerce no mercado seletivo. Para recuperar parte do terreno perdido, as redes de perfumarias tradicionais estão mudando o jeito de trabalhar, redesenhando suas lojas deixando-as mais dinâmicas para se adaptarem ao consumidor de hoje. A situação da pandemia também fez com que eles passassem a se preocupar em se inserir no universo das vendas digitais.

Por meio da ABPS, as redes de perfumarias tradicionais passaram a ser vistas como um grande player do setor e começam a viabilizar negociações e promoções exclusivas. Até porque as perfumarias tradicionais permanecem muito relevantes para o mercado. “Nós temos taxa de conversão elevadas, nosso ticket médio é muito maior, bem como a visibilidade para a construção de marcas que nossas lojas oferecem”, reforça Cláudia, para quem o conhecimento e a proximidade dos clientes permitiu às perfumarias tradicionais recuperarem alguma participação de mercado nos últimos anos.

O cenário de competição dentro do mercado seletivo mudou drasticamente ao longo da década. Mas, parece que no meio dessa disputa por clientes, que é feroz, as empresas têm conseguido entender que cada formato cumpre (ou precisa cumprir) com um papel e que dado o pequeno tamanho do mercado, todos eles ainda tem um largo espaço para crescer e se expandir.

Na prática, ainda que existam cruzamentos, cada formato acaba atendendo a um perfil de cliente. A segmentação permite atingir públicos distintos. “Hoje, eu sei qual o perfil de cada loja dentro de cada cliente grande. Analisamos juntos e vamos ter, dentro de uma mesma rede, lojas com três marcas e outras lojas com sete marcas. O resultado é representativo, não só pelo número de lojas, mas quando você adequa o mix, você maximiza o consumo”, diz Cláudio, da Vizcaya.

Essa maior sofisticação na organização da distribuição seletiva é consequência de uma mudança de enfoque do mercado sobre os seus diferentes canais de venda, que hoje é mais customizada. “Quais as alavancas adequadas para cada canal para fazer cada um deles ser mais rentável, atendendo mais consumidores e fazendo o consumidor brasileiro comprar aqui?”, explica Christian Campillo. Com essa abordagem canal a canal, tem sido possível estabelecer patamares mínimos para melhorar a experiência nas lojas dentro da proposta e da missão de cada uma delas. “As marcas entenderam lá atrás que não poderiam sobreviver trabalhando com meia dúzia de perfumarias, que por sua vez não conseguiam se expandir por questões de custos. Elas olharam para a Renner como uma forma de expansão do mercado e hoje entendem como trabalhar com cada canal”, acredita Cláudia, da ABPS. Estar nas lojas de departamento é fundamental para gerar volume de vendas e acessar um público que não é o das perfumarias seletivas tradicionais. Mas, as empresas não têm essas mesmas lojas como os locais mais adequados para a construção e o desenvolvimento das suas marcas, papel que ainda recai sobre as perfumarias.

Para Lívio, da Casa Parente, varejistas como Renner e Riachuelo, têm faturamento muito alto e significativo para as marcas de fragrâncias seletivas, mas a venda por porta é baixa. “Não vejo esses atores mexendo tanto com o negócio das perfumarias tradicionais”, diz o diretor da rede cearense, para quem é justamente a proximidade com o cliente o grande atributo das pequenas redes de perfumaria. Também por isso, ele acredita que bandeiras como Sephora e The Beauty Box, que tem volume alto de vendas, mas mantêm uma proximidade com o cliente preocupam mais, embora nenhuma das duas esteja hoje em Fortaleza. “Mesmo que a gente não cresça como o e-commerce, somos essenciais para a distribuição seletiva”, reforça Lívio.

Lucinda Nir, da Excellence, acredita que as perfumarias precisam apostar na criatividade para não perder o espaço que o formato mantém hoje. Para ela, isso passa prioritariamente pela ampliação das frentes de combate das redes. “As perfumarias tradicionais tem que pensar e buscar operar realmente como omnichannel, integrando as frentes existentes a essas novas formas de se vender”, acredita a empresária.
Além disso, mais do que nunca, é importante ressaltar as fortalezas desse formato. Para Campillo, as perfumarias tradicionais trabalham bem a questão dos serviços e da atenção, o que faz dela, o que melhor sabe trabalhar com os produtos de pele. Na categoria de skincare, o market share das perfumarias tradicionais chega a até 50% dependendo da marca. Em fragrâncias, as perfumarias tradicionais também mantém relevância. “Apenas em maquiagem é que perdemos um pouco de espaço”, conta a Cláudia, da ABPS.

Essa perda de espaço em maquiagem reflete também um dos grandes desafios para as redes que operam nesse formato: como trazer o público jovem para as perfumarias tradicionais?

Além do peso da marca, especialmente junto ao público mais jovem, e a sua intensa presença digital, a Sephora teve na maquiagem um pilar central desde a inauguração de sua primeira loja física no Brasil. Com um portfólio de marcas exclusivas, cobrindo um amplo espectro de preços, a bandeira consegue capturar as jovens consumidoras antenadas e digitais, que não enxergam as perfumarias tradicionais como um ambiente amigável. Para Cláudia Carvalho, existe uma movimentação de investimentos de algumas perfumarias associadas à ABPS no sentido de atingir essa fatia do público.

De “amante” a parceiro
Um segmento por anos ignorado, mas que performou fora da curva nos meses de pandemia foi o das pequenas perfumarias independentes. Esses players, que operam principalmente nos interiores com lojas menores, de rua, permitiram à BIM, uma distribuidora que atende perfumarias independentes com marcas de várias empresas e importadores, ter alguns dos melhores meses dos seus 26 anos de história. A empresa faz 60% do seu negócio com a venda de fragrâncias, que vão de marcas superpremium como Dior, Armani e Cartier, que demandam a aprovação de ficha cadastral pelas marcas mandar para fora, até marcas de lifestyle/masstige e populares. “Tivemos faturamento recorde em maio, com todos os grandes players fechados e os pequenos e médios lojistas se virando, vendendo no whatts app e no delivery”, diz Igor Bacchi, diretor da BIM. Com o grande volume de vendas nos interiores e em regiões que não tem perfumaria da ABPS ou lojas de departamento, as pequenas perfumarias sofreram menos com a pandemia (ao menos até junho), com mais lojas que continuaram abertas. O fechamento das fronteiras dificultou o contrabando e fez com que mais lojistas, inclusive os que se abasteciam com produtos oriundos de descaminho, buscassem distribuidores como a BIM para se abastecer. Foram 679 novos cadastros de clientes na pandemia. Com a reabertura, parte dos novos clientes voltam para o mercado informal, já que a diferença de preço ainda é grande (chegava a ser 50%). Mas, segundo ele, muitos desses novos clientes estão gostando da experiência, porque recebem o produto com nota, lacrado e com amostra e brindes.

Igor acredita que nos últimos anos, as marcas e importadoras assumiram distribuidores como a BIM como um braço de vendas e não mais como “amante”. “Cinco anos atrás, ninguém falava que tinha distribuidor. Agora, eles criaram projetos e fazem investimentos grandes em materiais, treinamento e recurso”, diz o diretor da empresa. Isso tem ajudado a distribuição seletiva a angariar novos consumidores, que não acessavam as marcas pelo mercado legal. Para Cláudio Eschecolla, os distribuidores estão mais perto dos clientes.

Ao mesmo tempo, o trabalho mais próximo junto a esses atores permite a todo o mercado um maior controle sobre as marcas. A BIM, por exemplo, segue uma série de regras sobre o que pode e para quem pode vender um conjunto de marcas. “As marcas Premium e de Prestígio eu não posso colocar numa drogaria ou num e-commerce sem obter aprovação da marca antes. Não tem sentido ter uma marca trabalhada numa loja da ABPS e, logo ao lado, ver uma loja vendendo o mesmo produto sem nenhum critério”, reforça Igor.

O controle sobre a distribuição e a exposição das marcas nos pontos de venda é fundamental para qualquer marca de distribuição seletiva, em especial num mercado como o brasileiro, que ainda está numa fase de solidificar os pilares do canal e, ao contrário da realidade de mercados maduros para esse segmento, ainda existe muito espaço para crescer dentro dos formatos, digamos assim, mais clássicos da distribuição seletiva.

A Shiseido é muito criteriosa com a sua distribuição e faz isso pensando não se o ponto em questão é seletivo ou massivo, mas sim se a marca terá as condições adequadas para trabalhar naquele ambiente. “Em skincare, precisamos de um time e de todo um aparato para as coisas acontecerem”, conta Andrea Olim.

O medo de perder o controle sobre a imagem de seletividade da marca é ainda mais delicado quando se fala no mundo digital. Para as perfumarias independentes e mesmo para as tradicionais, isso é um desafio adicional já que muitas delas, para ter alguma relevância, precisam estar plugadas num grande marketplace, algo que globalmente ainda é visto como um problema, embora, cada vez mais, as grandes empresas venham pensando em formas de como trabalhar com essas plataformas.

A BIM vem trabalhando junto com a L’Oréal num processo de cadastro do e-commerce dos clientes da distribuidora para autoriza-los a vender nos marketplaces. Já a Puig vem trabalhando com a ABPS na inciativa na qual a marca tem a sua operação de marketplace, mas com a venda sendo finalizada por uma das redes associadas. “Acho que temos de expandir e crescer no digital sempre com essa chancela da própria marca. O controle é difícil, mas existem movimentos das empresas marcas para venderem seus produtos por meio desses canais”, garante Cláudia, da ABPS.

Os novos compradores locais
O consumidor médio da distribuição seletiva no Brasil sempre foi o cidadão de classe B, até C em alguns momentos de maior euforia. A penetração da classe B e C nas perfumarias avançou muito com os investimentos maciços que as multinacionais, especialmente a Puig, fizeram em publicidade. Isso explica porque nomes como Paco Rabbane e Carolina Herrera tem presença muito grande nessa fatia da população. “Esse público busca os produtos certeiros, aqueles de marcas famosas que estão na mídia. Já a classe A tem procurado produtos mais exclusivos, de distribuição mais limitada”, diz o diretor da Casa Parente.

O alinhamento de preços nos últimos anos, somada a diminuição no número de viagens internacionais, deve contribuir para que mais consumidores da classe A ingressem no mercado local. Na categoria de skincare, o consumo já é muito calcado na classe A, já que mesmo que ela compre um creme lá fora, ela vai precisar manter o tratamento e, dificilmente, vai viajar de três em três meses. “Já existe um consumidor de classe A que consome internamente. As linhas de luxo da Dior, Shiseido e Lancome estão performando bem e puxando o resultado do mercado no Brasil”, diz Morimoto, da Segmenta. Além disso, o conforto de comprar no Brasil, com atendimento e orientação de uso em português e possibilidade de parcelamento, faz com que essa cliente acabe sendo retida pelo mercado local.

Para Lucinda, da Excellence, pode ser que após a pandemia, o público das perfumarias fique mais “elitizado”, mas que ele hoje, ainda é majoritariamente composto pelos consumidores das classes B e C. Mesmo a classe B, que sofreu com a retração econômica está voltando para as perfumarias. Até porque, o mercado como um todo, e não só as lojas de departamento, oferecem agora um mix mais amplo de produtos na faixa dos R$ 200 para reter os clientes das classes B e C também.

Depois da meia-noite, o Brasil continua sendo belo?
O mercado brasileiro ainda soma uma série de desvantagens em relação a vários outros países emergentes, para não falar na comparação com os mercados desenvolvidos. A começar pelo fato de que, ao contrário do que muitos pensam, as margens são muito melhores lá fora do que aqui dentro. “No Brasil as margens estão comprimidas. O investimento é gigantesco para o retorno que elas têm hoje, por causa da distribuição”, aponta Daniel Morimoto, da Segmenta.

Ao mesmo tempo, o potencial segue grande e o espaço para avançar gigantesco. A participação do mercado seletivo no mercado geral de beleza, que já é baixo na América Latina, da ordem de 15%, no Brasil ela é ainda menor, de apenas 7% do mercado de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos segundo a Segmenta.

Como já foi dito, o que difere o momento atual de outros momentos de crescimento no passado é, primeiro, que as grandes expectativas surgem num momento em que a economia brasileira já vinha deprimida e deve sofrer um pouco mais por conta dos impactos da pandemia. Não se trata de uma corrida para aproveitar um surto de expansão como aconteceu em outros momentos. Segundo, e mais importante, apesar de ainda pequeno frente a extensão continental do País, o mercado seletivo conta com uma base razoável de distribuição e um bom número de marcas operando diretamente no País. São elementos que posicionam a distribuição seletiva em condições de brigar por mais espaço dentro do mercado local e no negócio de perfumes e cosméticos de luxo global.

“Não somente a L’Oréal, mas também as demais marcas estão apostado no Brasil e buscando trazer mais marcas e lançamentos mais rápidos. O mercado de luxo tem mais potencial do que nunca”, comemora Campillo, que acredita num crescimento na faixa ente 15% e 20% ao ano por um longo período. Pelas métricas da L’Oréal, ele acredita que o mercado de distribuição seletiva pode abocanhar algo entre 5% e 8% do mercado total de perfumes e cosméticos no Brasil. Também otimista, Cláudio Eschecolla, da Vizcaya, acredita que mesmo com a questão do câmbio, o crescimento da distribuição seletiva no Brasil, desta vez, não será um voo de galinha.

O aumento do dólar não é por si só, um problema para Lívio, da Casa Parente, até porque quando o dólar cai em relação ao real, a venda da perfumaria seletiva cai também porque mais gente viaja para fora, e o impacto da queda sobre os negócios é mais imediato do que o de um movimento de valorização do real. “O importante é ter estabilidade no câmbio”, pontua. Preocupa mais o empresário nesse momento como vão ficar os custos da operação quando eles voltarem ao patamar normal, sem as possibilidades de negociação de contratos trabalhistas e com os alugueis dos shoppings voltando aos valores de sempre. “Não sei qual será a velocidade da retomada, mas a dúvida é como vão ficar os custos. Toda uma reestruturação vai ser necessária adequá-lo ao novo faturamento”, diz Lívio.

O mercado vai demandar estratégias agressivas de crescimento para que consiga alcançar níveis de retorno mais elevados. Isso passa por manter os preços mais ou menos alinhados ao mercado internacional (ainda que os repasses da desvalorização sejam aplicados) e pela chegada de novas marcas, em diferentes categorias, que estão vendo no Brasil não só um espaço para a construção de imagem, mas para gerar volume de vendas também. “As margens ainda devem ser mais baixas do que em outros mercados, mas com o aumento de volume, será possível ampliar a rentabilidade do negócio como um todo”, conclui Daniel Morimoto, da Segmenta.

EXPANSÃO EM XEQUE
Caso a pandemia não tivesse acontecido, Cláudia Carvalho, diretora da ABPS, diz que o mercado veria uma expansão mais acelerada de lojas físicas, inclusive com algumas redes cruzando as suas fronteiras, como a paulista Opaque indo para Belo Horizonte. “No nosso caso, exaurimos o espaço em Fortaleza. Se quisermos crescer, temos que ir para outra praça”, conta o diretor da Casa Parente, que lamenta o fato de que nos últimos cinco anos, mudanças legais e tributárias tornaram a operação da rede em estados que seriam os próximos passos para sua expansão ficaram inviáveis. Além disso, ele lembra o fato de que uma expansão mais agressiva das lojas na área seletiva ser travada pelas características do canal. “Acho difícil uma perfumaria seletiva crescer para 40 lojas, 50 lojas, a não ser que ela se associe a um fundo ou investidor. O investimento para abrir uma perfumaria seletiva é 10 x maior do que o de uma loja especializada em beleza que opere no mass market”, explica Lívio. Além disso, pesa o fato de que, apesar de venderem em até 10 parcelas, as varejistas costumam ter 45, 60 dias para quitar os boletos com seus fornecedores. “É um negócio com quatro meses de ciclo financeiro negativo”, pontua Lívio.

Embora não seja interrompido (algumas redes já têm contratos com as marcas para inauguração de novas lojas), esse movimento vai arrefecer. Em compensação, os investimento para a expansão no digital devem avançar e será importante para as perfumarias entender como o consumidor vai se comportar daqui por diante, até para que as redes possam se expandir e conquistar outros públicos.

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