Dossiê :: Sabonete

Dossiê :: Sabonete
Algo acontece no mundo dos sabonetes. Pela carga dramática, esta frase bem poderia abrir alguma série de televisão, ao estilo de Arquivo X ou, quem sabe um romance latino, desses cheios de suspense e revelações inesperadas. No entanto, foi escalada aqui para prenunciar a história de uma das mais dinâmicas categorias de produtos, que acumula no Brasil, ano a ano, um desempenho de dar inveja a muitos mercados. Segundo levantamentos da ABHIPEC (Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos), o volume de suas vendas subiu 18% nos últimos cinco anos. E só nos últimos 36 meses, a média de crescimento foi de sete pontos percentuais. Em faturamento, o salto entre 2001 e 2005 foi de impressionantes 63%, alcançando um patamar de dividendos anuais na ordem de R$ 1,5 bilhão. Para se ter uma idéia da dimensão do negócio de sabonetes, o montante acima representa cerca de 10% de toda a indústria de HPC no País. É muito dinheiro. Uma cifra suficiente para fazer suar as mãos dos empresários, mesmo aqueles que ainda não dispõe de tradição na fabricação ou na comercialização do item. Exatamente por isso, de uns tempos para cá, diversas marcas chegaram para engrossar a concorrência. De acordo com o discurso oficial dos departamentos de marketing e de novos produtos, o caminhão de investimentos vem para suprir, justamente, a demanda observada. Mas, aí, naturalmente, surgem duas questões: afinal, qual o real potencial desse negócio e por quanto tempo será possível sustentar uma curva de crescimento como as vistas até agora?

Feitas as perguntas, o ideal é partir para as respostas. E não há melhor forma de fazer isso do que com mais números. O primeiro a se considerar, refere-se ao índice de penetração da mercadoria. Todos os fabricantes ouvidos pela revista Cosmética foram categóricos ao afirmar que 99% das casas brasileiras são consumidoras assíduas de sabonetes. O 1% restante, dizem os executivos, fica como margem de erro para um país de dimensões continentais. Institutos que monitoram o vai-e-vem da produção nacional, como o ACNielsen, por exemplo, também assinam embaixo e reforçam a margem. A partir desta constatação, fica difícil pensar numa expansão de lucros ampliando-se a base de clientes. Mas difícil não é impossível.

Como sempre acontece também, existem vozes dissonantes a esse juízo. Gente que levanta dúvidas e jura que a métrica do soneto é outra. O professor e pesquisador do Centro de Excelência em Varejo da Fundação Getúlio Vargas, Silvio Laban, é um deles. Ele acredita que por mais abrangente que sejam as estimativas, elas não representam – e nem podem representar – a última palavra sobre a realidade nacional. Creio que não levamos em conta uma questão quando nos balizamos por números assim, que é o fato de que tais pesquisas não contabilizam, no geral, o enorme volume de produtos gerado de maneira informal no mercado brasileiro. Existem milhares de famílias que não entram em estatísticas por não possuírem emprego registrado em carteira. Só que elas compram e compram muito, diz. O professor não tem como dimensionar o tamanho desse mercado e nem quanto essas famílias consomem. Todavia, sabe que tal fatia tem dimensões e peso suficiente para influenciar balanços financeiros, tanto para o bem, quanto para o mal.

Histórico familiar

Polêmicas à parte, outra forma de vislumbrar um crescimento para os próximos anos é apostar na melhoria do consumo per capita. Essa é, aliás, a crença de muitas marcas que buscam na diversificação de suas linhas o caminho para a conquista de novas fatias de mercado. Um exemplo que ilustra muito bem essa proposta foi dado pela Albany, que lançou uma linha de sabonetes para o publico feminino e outro para o masculino. Uma estratégia que, entretanto, até agora não pegou. Por ser considerado um produto familiar, os concorrentes de Albany não crêem na divisão de gêneros. Dentro da casa, a mulher é a única que se dá ao luxo de ter uma marca específica para seu uso. Isso porque é ela quem decide, é ela quem compra. E, claro, o esforço de comunicação e de marketing é sempre direcionado para ela, sacramenta Mônica Pucci, gerente regional de categoria da casa de fragrâncias Quest International. De acordo com os nossos estudos, sabemos que homens solteiros e sozinhos tendem a fundamentar suas escolhas com base no histórico familiar. Em outras palavras, isso quer dizer que é muito normal esses homens procurarem os sabonetes que as mães ou as mulheres que conviveram utilizavam, acrescenta. O fundamental, portanto, é dimensionar o volume de sabonetes consumidos em média por família. Quem tem esse dado é o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística, o IBOPE. Segundo seus especialistas, cada residência brasileira consome entre 12 e 15 barras de 90 gramas ao ano. A procura pela apresentação líquida é incipiente. Marilídia Haefeli, diretora global de marca da Givaudan, diz que a comercialização de barras representa 98% do volume total. É uma questão cultural. Talvez esteja relacionada ao fato da banheira não ser tão popular entre nós. Nos Estados Unidos e na Europa, por exemplo, a história é diferente. Os sabonetes líquidos respondem por 40% do faturamento do mercado, afirma.

Crescimento horizontal

Para saber se o ritmo de compra nacional pode ou não ser esticado por meio de um trabalho de marketing, o melhor exemplo vem da Ásia. A Índia tem muitas semelhanças conosco. É um país com clima tropical e também tem uma população com freqüência diferenciada de banho. Assim como nós, eles tomam, no mínimo, dois banhos por dia, diz Marilídia. Só que na terra do Monte Abu e do Taj Mahal, o consumo médio familiar está entre 6 e 7 barras de 100 gramas.

De acordo com pesquisa realizada pela Research International, 52% dos brasileiros tomam dois banhos por dia no inverno. No verão, esse número cai para 51%. Isso porque 38% dos entrevistados declararam que entram debaixo do chuveiro três vezes em menos de 24 horas. Por tudo isso, está mais do que claro que os rumos futuros da indústria de sabonetes no Brasil seguirá para uma disputa horizontal, uma vez que, o mercado brasileiro parece estar maduro para o consumo desses itens. E aí está a constatação que perseguimos. No que tange a realidade interna, o crescimento vertical está engessado. Alguns especialistas do mercado apostam em um cenário de crescimento na casa dos 2% ou 3% ao ano, o que já seria muito bom. São valores inferiores aos que os empresários se acostumaram. Mas, ao contrário do que se possa supor, essa realidade tem tudo para ser frutífera, principalmente para os novos competidores. Atualmente, eles estão apagados diante do gigantismo de alguns players que polarizam as vendas. A Unilever puxa a fila dos graúdos com 44,6% de participação, seguida pela Colgate-Palmolive e a Unisoap, dona da marca Francis. Há vários anos somos líderes na categoria, tanto em valor quanto em volume, conta o gerente da marca LUX, Elisson Dias. O segredo da Unilever para manter a dianteira é aliar volume de ofertas a um calendário intenso de renovações. Seu port-folio integra, atualmente, cinco marcas: LUX, Dove, Vinólia, Rexona e Fofo (infantil). Cada qual foi idealizada para atender a um dos segmentos de varejo: família, beleza e premium. Com as variantes de Suave e de Luxo, a marca LUX responde, sozinha, por 76% do volume do comércio da multinacional na categoria. A organização dos produtos da Unilever deixa claro sua preocupação com a concorrência de novas empresas. Tudo indica uma disputa por fatias horizontais. Esse mercado cresce em função do movimento da indústria, que tem sempre novidades para os consumidores, e pelo lançamento de produtos com maior valor agregado. Sintonizados com a proposta, procuramos desempenhar esse papel. O sabonete LUX é um exemplo claro desse esforço: mantemos uma equipe global e regional que estuda as predisposições do mercado da cosmética e da beleza mundiais, basicamente com o objetivo de trazer para nossa análise tudo o que está em alta, tanto fora quanto dentro do País. É o caso das versões Chocolate e Guaraná dos sabonetes LUX Luxo. O universo gourmet é uma tendência que está, até agora, muito concentrada nos produtos de luxo, aponta Elisson.

Diferença-diferencial

Valendo-nos de um exemplo cotidiano, a situação atual imposta às marcas é semelhante ao dilema do rapaz apaixonado, que tenta ser bem-sucedido na conquista da garota, lançando mão de todos os artifícios de sedução disponíveis. Ainda não conhecemos a moça, alvo das investidas. Na paquera, o interessado precisa ir além das expectativas e não apenas mostrar as suas qualidades, como acentuar que é melhor do que o concorrente. Afinal, terá de convencê-la a trocar o certo pelo duvidoso. Curiosamente, a mesma tônica se aplica ao mundo dos sabonetes, desenhando o cenário de disputa que as indústrias passarão a travar daqui para frente. Ou seja, no final vencerá quem apresentar o melhor conjunto de diferenciais.

É por isso que os projetos que envolvem sabonetes, hoje em dia, pertencem à casta daqueles que qualitativamente demandam maior esforço por parte das casas de fragrância, no comparativo com todos os outros voltados para higiene e cosméticos. A responsável pelo marketing da Fimenich, Alekssandra Popovic, concorda. É um mercado que tem um ritmo muito grande de transformações. Ele se renova a cada dois, três anos, salienta. Segundo ela, os lançamentos começam a se inspirar na perfumaria fina, na influência de flores, e nos tons orientais, todas elas áreas repletas de sensações inerentes à experimentação olfativa.

Quem procurar o diferencial, não terá motivos para ficar de fora da disputa. O sucesso deverá vir na proporção direta ao nível da criatividade empregado. A Nivea acredita nisso piamente. Tanto que a empresa alemã que conta com nove linhas de produtos no Brasil – entre hidratantes corporais, itens para cuidado facial e labial, desodorantes, proteção solar –, também vem investindo nos últimos meses na formatação de inteligente arsenal de produtos para banho integrado por sabonetes em barra e líquidos. Chama a atenção a apresentação estética e uma série de inovações na formulação das versões. Nossa linha foi lançada em março de 2005. De lá para cá, lançamos sete diferentes versões, que têm tido excelentes aceitações no mercado. Já estamos planejando novas versões de acordo com as necessidades dos consumidores. Nesse momento, a embalagem flow pack (saquinhos) conta com sabonetes com aveia, mel, proteínas do leite, aloe vera e essência de flores, além da versãoVerão, para atender às necessidades sazonais, e os lançamentos erva-doce e pêssego, enumera a gerente de Bath Care da Nivea, Ana Lia. A manutenção de tal estratégia tem dado à executiva motivos de sobra para comemorar: após quase um ano no mercado, a linha de sabonetes em barra triplicou seu valor de vendas e cresceu sete vezes em volume.

Para gente grande

A Johnson & Johnson é outra empresa que, nos últimos tempos, vem recheando as gôndolas com novidades. Líderes absolutos nos segmentos de sabonetes infantis e baby – que representa apenas 4% no bojo do faturamento de HPC –, seus executivos, recentemente, tiveram de enfrentar um desafio e tanto: ou abriam os olhos – e suas intenções – para o mercado adulto, ou perdiam para a concorrência sua fatia de crescimento. E uma das tentativas para segurar e, quem sabe, aumentar o share foi, exatamente, o lançamento de uma linha de sabonetes para adultos.

O investimento total da multinacional para colocar o novo produto girou em torno de R$ 10 milhões. A produção foi terceirizada para a Raz-zo – que além de fabricar matérias-primas para o setor também tem a sua marca de sabonetes, Livy – e as metas foram todas programadas para médio prazo: a proposta da J&J é alcançar uma participação de mercado de 9% até 2010. Esse é um segmento que está super pulverizado. São mais de 80 marcas disputando espaço. Por isso, considero nossas projeções realistas e bem posicionadas, pondera a gerente de grupo da múlti, Marina Sachs.

Paradoxo da escolha

Toda essa movimentação é essencial para se criar um ciclo de competitividade no mercado. Mas a dinâmica adotada pelos fabricantes não deixa de causar dificuldades no varejo, perdido em meio a tantas ofertas e possibilidades. Definitivamente, foi-se o tempo em que comprar sabonetes era tarefa simples. Antes, com poucas opções, marcas tradicionais e tipos para lá de experimentados, o processo de escolha do consumidor durava o tempo exato de se caminhar entre uma prateleira e outra, até localizar o produto de sua preferência. Quando muito, somava-se ao ritual uma olhadela comparando preços ou em busca de promoções. Tudo realizado da maneira mais rotineira e despreocupada possível.

Hoje, não. A experiência de escolher um sabonete pode se tornar uma aventura respeitável no ponto-de-venda. Com estardalhaço e muita comunicação, as gôndolas estão repletas de opções. Assim, no Wal-Mart, por exemplo, para tomar a decisão de qual sabonete levar, o consumidor precisa caminhar a distância equivalente a 15 passos ao longo delas, coincidentemente o mesmo número de marcas em exposição. Mas a questão é que, à medida que o tempo passa, cada uma das marcas se sai com uma variante de opções maior. Quando achamos que a categoria está saturada, eles chegam com mais novidades: esfoliantes, massageadores, com aromas e cuidados diferenciados. A gôndola começou a ficar pequena para tantos produtos. Estamos apresentando as novidades para os nossos clientes, e eles nos ajudando a escolher o line-up que devemos ter em nossas lojas, diz o diretor de produtos da rede de hipermercados Wal-Mart, Rogério Vieira.

O professor Silvio Laban, da Fundação Getúlio Vargas, citado no início desta reportagem, também anda preocupado com a questão. Ele lembra que, ao querer garantir um bom leque de opções, corre-se o risco de carregar demasiado na exposição dos itens – um problema muito comum, por exemplo, entre os shampoos e os condicionadores. A escolha do mix de ofertas deve ser balizada por critérios bem pensados de seleção. Do contrário, o risco de confundir o consumidor é grande. Trata-se de um exemplo clássico do paradoxo da escolha, descrito pelo sociólogo Barry Schwartz, afirma Laban. Schwartz escreveu o livro Paradox of Choice (Paradoxo da Escolha), ainda sem tradução para o português, no qual, entre outras reflexões sobre a sociedade atual, imersa num mundo facilitado pela comunicação, justamente aponta para o fato insofismável de que a multiplicidade de opções restringe a capacidade de decisões. Como se vê, a solução do problema está longe de aparecer somente lavando-se com água e sabão.

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