Especial - Casas de fragrâncias, O negócio está mudando. Para onde vai?

Especial - Casas de fragrâncias, O negócio está mudando. Para onde vai?

A criação dos ingredientes sintéticos à base de hidrocarbonetos, no final do século XIX, elevou ao patamar de “indústria moderna” o negócio da criação perfumística, até então uma tradição artesanal milenar calcada nos ingredientes naturais.

Mais de 100 anos depois dessa revolução que deu origem à moderna indústria de fragrâncias, as maiores empresas do setor estão numa espécie de corrida contra o tempo para eliminar os produtos baseados em petroquímicos do seu portfólio e substituí-los por alternativas baseadas em fontes renováveis de menor impacto ambiental.
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O movimento não começou hoje, nem ontem. Há cerca de 15 anos, o mercado de fragrâncias vem buscando meios para se livrar da dependência dos combustíveis fósseis como base de sustentação da sua cadeia produtiva. Hoje, em boa medida, o negócio ainda segue muito dependente deles. Mas, é provável que o setor esteja vivendo hoje, efetivamente, a sua última década sob a égide do petróleo.

Os principais atores do setor estão comprometidos publicamente com metas ambientais ambiciosas, que devem conduzir a grandes transformações em seus portfólios e processos de negócios, industriais e criativos. Até 2030, a casa de fragrâncias norte-americana IFF está comprometida a ter 100% dos ingredientes utilizados em suas composições olfativas biodegradáveis e oriundas de fontes renováveis. Na suíça Firmenich, a meta é ligeiramente mais modesta, 99% das composições devem ter origem em fontes renováveis no final da década.

A mudança vem sendo puxada por diversos fatores. Um dos primeiros triggers foi a própria instabilidade no preço da commodity, que fez com que os custos de matérias-primas básicas para a indústria de fragrâncias subisse de forma vertiginosa e “assustando” o mercado em vários momentos na década passada. Outro ponto é o contínuo processo de exclusão ou restrições no uso de uma série de ingredientes tradicionais para a indústria por órgãos reguladores, justamente por questões relacionadas ao impacto ambiental ou registros de potenciais riscos à saúde humana desses materiais, em sua grande maioria derivados de hidrocarbonetos. O peso dessas restrições foi, e segue sendo, bastante significativo, obrigando a indústria a reformular composições consagradas e quebrar a cabeça em busca de substitutos para mantê-las o mais próximo possível das fórmulas originais. A lista de restritivos será ampliada mais uma vez com a entrada em vigor da emenda 50 da IFRA, a associação que congrega as entidades nacionais do mercado de fragrâncias e exerce uma espécie de auto regulação em relação a listas de ingredientes restritivos para a indústria em âmbito global. O novo documento estabelece restrições para elementos químicos presentes nas composições de diferentes óleos essenciais, amplificando o desafio para o setor.

Claro que existe ainda a própria questão da finitude do petróleo no mundo. Estudos atualizados da petrolífera britânica BP acreditam que isso deve acontecer em 2067, considerando o atual nível das reservas. Na década passada, novas descobertas ampliaram as reservas até então conhecidas em mais de 25%. Por isso, é bem provável que a disponibilidade de petróleo no mundo perdure por um período ainda superior.

Mas a verdade é que hoje, o fator mais importante para justificar os pesados investimentos que vêm sendo feitos pelas casas na substituição do petróleo como base da indústria é a necessidade das empresas diminuírem seu impacto ambiental. Nomes como L’Oréal, Unilever e Natura&Co, para citar alguns dos maiores clientes globais da indústria, também têm compromissos públicos de redução de impacto ambiental e redução no uso de ingredientes não renováveis. Algumas precisam inclusive encontrar meios para reduzir em 10 anos o nível de consumo atual, mesmo considerando o crescimento nesse período. Além disso, no meio de tudo, uma nova geração de consumidores, muito mais consciente e restritiva em relação aos produtos que consomem e aos ingredientes que constam da fórmula. “Existe toda uma pressão de governos, empresas e da sociedade em relação ao carbono. Agora, ninguém mais quer usar matérias-primas baseadas em petróleo”, reconhece Eder Ramos, presidente global da área de Fragrâncias da multinacional alemã Symrise.

Embora alguns falem em cinco, seis mil ingredientes olfativos para a composição de fragrâncias disponíveis no mercado, o negócio mesmo está concentrado em algo como dois mil itens. A maior parte ainda está baseada na cadeia petroquímica, incluindo itens básicos para a produção. “Nosso mercado não tem os estudos das matérias-primas novas que possam cumprir com esses requisitos de serem verdes (para tantos ingredientes) e que sejam totalmente aceitos do ponto de vista regulatório. A adaptação disso vai despender muito tempo e trabalho”, acredita Michel Ulhoa, gerente Comercial de Fragrâncias para América Latina da casa chilena Cramer.

É uma mudança que vem sendo feita com os carros em movimento. Mas que já nos próximos dois ou três anos deve resultar em mudanças drásticas na paleta de matérias-primas disponíveis para a criação.

Além da aplicação dos princípios da química verde, que permite a transformação e produção de moléculas sem resíduos e já impacta substancialmente na sustentabilidade, mas num nível de preço final que é bastante competitivo – cada vez mais adotada pelas empresas do setor, o dirigente da Symrise explica que existem duas rotas principais que estão sendo seguidas pela indústria para alcançar o objetivo de obter a totalidade de matérias-primas para a indústria a partir de fontes renováveis.

Uma delas é desenvolver mais ingredientes a partir de outras cadeias produtivas como os pinenos, substâncias químicas derivadas da indústria de papel e celulose que servem de base para a fabricação de uma série de químicos aromáticos; ou da cana de açúcar, para mencionar apenas dois.  Em 2015, a companhia alemã adquiriu a Pinova Holdings, fornecedora de ingredientes provenientes de fontes naturais e renováveis, particularmente os pinenos, ??utilizados na produção de ingredientes de fragrâncias e produtos de higiene bucal, por cerca de US$ 400 milhões.

A outra é uma aposta cara, de mais longo prazo e resultados ainda incertos, embora seja considerado o futuro, que é o uso da biotecnologia.

Em busca de mais renováveis

Assim como a Symrise, a norte-americana IFF também vem apostando nos derivados de pinenos, com a produção há mais de 20 anos concentrada na sua fábrica em Jacksonville, nos Estados Unidos. “A busca por renováveis já permeia o P&D de ingredientes da IFF há mais de 10 anos”, acredita Josiane Bordignon, diretora Comercial de Fine Fragrances para Latam da empresa. Apesar desse histórico, o desafio para estabelecer um portfólio de fontes renováveis ainda é grande. “Todos os derivados de alfa-pineno, beta-pineno, desse feedstock, ok. Mas tem todo o resto do portfólio. As moléculas de musk, por exemplo, ainda derivam da indústria de petróleo”. Por conta da amplitude e da relevância dos ingredientes derivados de combustíveis fósseis na cadeia produtiva do mercado e fragrâncias, Breno Grou, CEO da casa de fragrâncias brasileira Ginger, acredita ser prematuro falar no fim do uso de ingredientes à base de petroquímicos. “A cadeia é extensa e as escalas são gigantescas. Acredito que vai levar um tempo um pouco maior para virar essa cadeia de forma mais sustentável”, acredita Grou. Além disso, no caso das cadeias de abastecimento dos renováveis, é preciso estabelecer mecanismos que permitam garantir a confiabilidade e a segurança na oferta de acordo com as demandas do mercado. Quando o dono da terra opta por deixar de plantar árvores para criar gado, porque essa atividade é mais vantajosa, a oferta cai, os preços sobem e todo o mercado sofre com isso. Recentemente, o mercado viveu isso com a falta de terebintina, matéria-prima obtida da madeira de pinho e que serve de base para a produção de inúmeros ingredientes de base da indústria de fragrâncias.

“Tem um desafio forte da nossa indústria que é estabelecer essas fontes renováveis”, reconhece a executiva da IFF, ressaltando inclusive que a companhia vive uma nova fase nesse sentido com a aquisição da divisão de Nutrição e Biociências da DuPont, que agrega novas tecnologias e possibilidades à essa busca. “De certa forma, a estratégia da IFF lá de trás vem se consolidando nessa direção, tanto que o nosso novo lema é o do more good (fazer mais o bem), ter impacto positivo por meio do que a gente faz”, emenda a diretora da casa norte-americana. A busca por gerar impacto positivo, ao invés de simplesmente se preocupar só em neutralizar os efeitos da produção sobre o planeta, representa um novo paradigma para a indústria. “Temos que investir e buscar caminhos para reduzir as nossas emissões”, concorda Eder Ramos.

Outro desafio relacionado diz respeito ao custo dos ingredientes renováveis, que na média ainda são mais caros. Grande parte dos materiais usados na indústria já vem de uso vegetal, mas para muitos itens, na escala atual, o custo é mais caro. Essa é uma chave que pode mudar rapidamente? Para Eduardo Matoso, presidente da Kaapi, casa de fragrâncias e ingredientes brasileira, a resposta é sim. É possível, por exemplo, usar o propanediol zemea (derivado de açúcar de milho) para substituir o propileno glicol e com uma sintetização chegar ao DPG (um dos ingredientes mais comuns na indústria de fragrâncias). “Hoje, esse processo é mais caro. Mas o mercado é dinâmico, vai onde tem demanda. Realmente, se o cliente deixar de comprar à base de petróleo, os preços vão ter que se reorganizar. A partir do momento que isso virar grande escala vai ter uma reorganização dos preços”, diz o empresário.

O sócio-diretor da também brasileira Vollmens Fragrances, Nestor Mendes, acredita que seria possível que o Brasil tivesse um papel mais relevante na oferta de químicos aromáticos de fontes renováveis, voltando a produzir ao menos alguns ingredientes localmente. No passado, as próprias multinacionais tinham plantas aqui. Hoje, praticamente tudo vem de fora, mesmo que o Brasil seja participante importante de algumas dessas cadeias produtivas, como a da terebintina, obtida do óleo de pinho. “Temos produção local, aí China e Índia vem buscar essa matéria-prima aqui, convertem em seus países, para nós termos de comprar de volta depois. Olha que beleza”, lamenta Mendes.

Os naturais, quando corretamente manejados, também representam uma oportunidade de redução no impacto ambiental da indústria e na melhoria dos seus índices de sustentabilidade. Referência em ingredientes naturais no universo das fragrâncias, a francesa Robertet aposta nas suas origens para aumentar o pipeline de renováveis. “A matéria-prima natural é a nossa razão de ser, portanto, a proteção do meio ambiente é nosso pilar mestre de atuação. Nossa forte política de responsabilidade socioambiental é comprometida com a preservação dos recursos naturais, a redução de resíduos e a contribuição das comunidades locais”, explica Cynthia Crespo, diretora da área de Fragrâncias da casa no Brasil.

Ao menos no discurso, os naturais são desejados pelas marcas e principalmente pelos fornecedores. Mas olfativamente, nas condições de uso atual dificilmente se consegue construir algo próximo do que o consumidor está acostumado a cheirar. “Já me pediram para criar um perfume 100% natural. Entreguei para o cliente um eucalipto, 100% natural”, brinca o perfumista Fabiano Ramos, da Ginger. Daí que se faz necessário a busca por processos que permitam substituir os ingredientes de origem fóssil, por outros de fontes renováveis, mas capazes de cumprir com as funções que os atuais sintéticos cumprem na construção da composição olfativa.

Desafio para o futuro próximo

Se a busca por fontes renováveis é um caminho mais adiantado e que deve seguir como ponta de lança na cruzada pela substituição dos ingredientes de petróleo, a biociência aponta como a aposta das empresas para revolucionar o futuro da indústria e consagrar o fim da era do petróleo na indústria de fragrâncias. “Nós temos um time de cientistas focado em biotecnologia em nossa sede e parte de nossos investimentos são direcionados para a pesquisa e desenvolvimento desta área com fortes lançamentos de ativos para beleza, nutrição e saudabilidade”, pontua Cynthia, da Robertet.

A biotecnologia é um ótimo caminho para estabelecer ingredientes e processos sustentáveis, especialmente porque ela permite escalonar a produção, sendo muito menos suscetível a quebras de produção na comparação com as fontes renováveis, sujeitas a diferentes intempéries ambientais e de mercado. Mas ela ainda representa um processo complexo, de difícil operação e controle. Por muito tempo, o foco na aplicação dessas tecnologias recaiu sobre indústrias correlatas, como a de nutrição e a farmacêutica. “Agora ela vem para o negócio com as novas oportunidades que estamos vendo também para o negócio de fragrâncias da IFF”, comemora Josiane. Com a adição da divisão de Nutrição e Biociência da DuPont, a IFF quer acelerar, justamente, a incorporação da biotecnologia aos seus processos de inovação e desenvolvimento. O processo não é imediato, mas o fruto das sinergias do negócio adquirido com a divisão de fragrâncias deve gerar frutos em dois ou três anos. “Temos um plano bem agressivo a partir de 2025 e vamos virar de ponta cabeça nosso portfolio”, afirma a executiva.

A biotecnologia não é só difícil de operar. Ela é um jogo caro, que demanda muito dinheiro para investir em pesquisa avançada e cientistas de ponta. Mendes, da Vollmens, acredita inclusive que tudo o que for ser criado nesse sentido deve vir das grandes casas de fragrâncias.

Mas não só. É um terreno ainda sob o qual existe pouca clareza regulatória, ao que se somam dilemas éticos e científicos. “A biotecnologia já é a bola da vez há tempos e acredito que os investimentos nela pelas empresas vão crescer”, reforça Matoso. O presidente da Kaapi espera que se trabalhe cada vez mais com engenharia genética de bactérias para se produzir a molécula que se quer com apelo sustentável e natural. “Mas esse ser vivo não é natural”, alerta. “Ninguém sabe qual o bio risco da criação de organismos geneticamente modificados em seres humanos. A biossegurança envolvida nesse processo é uma incógnita”, emenda o empresário.

Todo esse contexto de custos e riscos envolvidos tende a concentrar essas novas tecnologias, ao menos num primeiro momento, nas mãos das grandes casas globais. “Muitas vezes esses novos ingredientes são captivos, de uso exclusivo e demora para que eles os liberem para o mercado”, pontua o sócio da Vollmens. Mesmo que exista hoje um sem números de startups de alguma forma envolvida na pesquisa e no desenvolvimento de novas aplicações a partir da biotecnologia, são as grandes que dispõe dos recursos necessários para avançar com os estudos, bancar os testes e toda a documentação necessária, além de garantir a capacidade de colocar as inovações no mercado em larga escala, caso a pesquisa gere novos ingredientes. Num primeiro momento, a tendência é que o gap que separa as quatro grandes casas globais das outras empresas do mercado deve crescer. Isso deve se refletir na ponta. Como as grandes casas atendem, basicamente, às grandes contas (os grandes grupos globais e regionais do setor de higiene e beleza), o risco dessas tecnologias inovadoras permanecerem restritas a uma bolha de grandes clientes, o que poderia minar a competição em várias categorias, não deve ser desconsiderado.

Mais do que saber a origem da fonte

A preocupação com as fontes utilizadas na produção das fragrâncias não passa só por encontrar alternativas renováveis em substituição às matérias-primas derivadas de petróleo; ou ao advento da biotecnologia. Uma parte substancial da produção da indústria tem origem em ingredientes naturais. E passou a ser mandatório para a indústria conseguir identificar, lá no início da cadeia, na fazenda ou na comunidade extrativista, por exemplo, o material que ela está processando naquele momento.

Fazer isso nos dias atuais é mais do que saber que as flores ou os frutos vieram de uma determinada região e que estão de acordo com o padrão de qualidade exigido pela indústria. É preciso ter um nível de controle muito mais estrito, quase que in loco, para saber como aquele determinado lote de matérias-primas foi obtido, quem plantou, quais os processos que foram utilizados, qual o processo de colheita, a remuneração das pessoas envolvidas, os benefícios que o negócio retornou à comunidade entre muitos outros novos critérios nada aleatórios.

Com o ambiente digital e das redes sociais, as marcas passaram a ter a sua reputação muito mais exposta. Assumindo posições públicas e trabalhando no sentido de colocar em prática políticas de ESG (a sigla em inglês), as empresas de bens de consumo não querem dar muita brecha para o risco de verem o seu nome ou suas marcas envolvidas em questões ambientais ou sociais graves. Uma notícia envolvendo o uso de matérias-primas plantadas em áreas florestais; ingredientes obtidos de forma ilegal, ou uma relação comercial injusta com as comunidades extrativistas podem gerar um abalo considerável à reputação de uma corporação, sem falar nos riscos legais e regulatórios nos quais podem ser implicadas, mesmo que elas não tenham participação direta em nenhum desses malfeitos. Na prática, o que se tem para os stakeholders é a responsabilização objetiva da parte mais famosa e exposta nesse processo, a marca de consumo. Daí que o grau de exigência em relação à rastreabilidade tenha subido muito nos últimos anos. E isso vai cascatear cada vez mais para todo o mercado. Na Cramer, que atende principalmente empresas de médio e pequeno porte da América Latina, esse mercado vai começar a exigir, mais do que exigem agora, dos fornecedores das matérias-primas de que eles estão comprando produtos sustentáveis, amigos do meio ambiente. “Estamos trabalhando nesse sentido, buscando que todos os nossos fornecedores tenham uma orientação sustentável e trabalhando sob todos os parâmetros que temos da IFRA”, pontua Ulhoa, da casa chilena.

Apesar dos pesados investimentos realizados nos últimos anos, incluindo aí muitas aquisições de pequenas companhias com atuação no segmento de ingredientes naturais e um maior controle sobre as plantações, e maior proximidade com cooperativas e comunidades extrativistas, ter o mapa completo para rastrear toda a cadeia ainda é um grande desafio. “Todo o nosso sistema de criação perfumística já traz essas informações, mas é um trabalho absurdo, pegar mais de duas mil matérias-primas e dissecar todas as suas propriedades físico-químicas, e, também, saber toda a cadeia de carbono, qual a fonte de fornecimento... Aquilo que é verticalizado é mais fácil (a companhia produz algo entre 55% e 60% de tudo o que está disponível no seu portfólio de ingredientes), mas a cadeia na nossa indústria ainda é bastante quebrada, o que dificulta chegar exatamente lá na fonte”, conta Josiane, que lembra que apesar de processar a maior parte dos seus ingredientes, a fonte do fornecimento não é necessariamente da empresa. Por conta dessa exigência somada à dificuldade de se obter as informações de origem, em alguns casos tivemos que optar por retirar alguns fornecedores, porque um problema ali poderia cascatear para toda a cadeia de valor da empresa. A aquisição do Laboratoires Monique Remy, em 2000, reflete além da busca por naturais, uma necessidade maior de garantir o controle sobre os processos, para que fossem sustentáveis e sempre com qualidade.

O desafio para os fornecedores de matérias-primas e ingredientes para a indústria de fragrâncias e aromas não é pequeno, e vem acompanhado de questionamentos sobre o nível “profundo” de rastreabilidade. A demanda por transparência existe, sem dúvida. Mas o tipo de abertura de informação que é solicitado a essas empresas, pequenas, mas muito especializadas em muitos casos, é questionado. “Principalmente as empresas europeias exigem um nível bastante profundo de rastreabilidade. Para mim não é clara a razão”, pontua Matoso, da Kaapi.  Para ele, que vem desenvolvendo suas cadeias de fornecimentos em lugares de difícil acesso ao longo dos últimos anos, ao mesmo tempo em que existe um movimento das grandes empresas comprando esses pequenos. Matoso receia o risco de se caminhar para a formação de um ambiente mais concentrado e de menor concorrência. “Eles querem saber de quem você compra, quanto paga, qual o seu processo... Aí ele vai lá e compra direto”, lamenta o empresário, que reconhece a necessidade de controles.

Coisa de gente grande? Ainda sim. Mas só por um tempo

Se os maiores fabricantes de cosméticos do mundo e seus principais fornecedores de fragrâncias estão indo nessa direção, isso vai cascatear para todo o mercado de alguma forma. “Ficamos muito felizes em ver as empresas não só globais, mas também nacionais preocupadas em oferecer ao consumidor produtos que carregam esta responsabilidade'', pontua Cynthia, da Robertet, que aqui no Brasil compete com casas locais em muitos clientes nacionais de médio porte.

Agora, se a jornada para as grandes ainda será longa, o caminho deve se estender por alguns anos a mais até que as pequenas e médias casas de fragrâncias, especialmente as casas locais, tenham à disposição boa parte desse novo portfólio de ingredientes de base tecnológica e renovável. Logicamente, uma primeira etapa, vai gerar certa diferença dos grandes com respeito aos demais que não produzem moléculas ou matérias-primas ainda. Pode ser que às menores percam um pouco de mercado. Porém, essas matérias-primas ainda não têm o mesmo custo das matérias-primas de petróleo. Isso deve manter um espaço importante para as casas menores que operam num segmento onde a maior parte dos clientes, longe da escala das gigantes multinacionais, tem o custo como ponto central. “Tudo isso é parte de um processo, logicamente. Mas como tudo, com o tempo o próprio mercado tende a se regular e os ingredientes de fonte renovável chegarão a todo o mercado”, acredita Ulhoa.

A faixa de mercado no qual concorrem as casas locais, formada principalmente por pequenos e médios clientes das áreas de higiene pessoal, cosméticos e saneantes, é orientada primeiro por preço, segundo por preço e terceiro por disponibilidade e serviço rápido. Questionamentos sobre rastreabilidade e cadeia de custódia não costumam ser feitos por esses clientes. “Temos uma demanda um pouco maior por informações desse tipo quando acessamos os grandes clientes, que buscam isso cada vez mais. Mas, no geral, no máximo perguntam o nome do produtor e de que país vem à matéria-prima”, explica Matoso, da Kaapi. “Alguns clientes maiores se preocupam um pouco com isso, mas a grande maioria não. É guerra de preço, por custos e a parte de meio ambiente fica de lado, muitas vezes mais no marketing”, corrobora Mendes, da Vollmens. Na Ginger, Grou diz que, eventualmente, aparece um ou outro cliente com a demanda por uma fragrância que alcance patamares mais elevados de biodegradabilidade ou a fonte dos ingredientes naturais aplicados na composição, especialmente quando isso está aderente ao propósito da marca da empresa. “De uma forma ou outra, ao restringir o uso de commodities (de base fóssil), essa fragrância acaba ganhando valor agregado. Mas, diria que a maioria das empresas ainda não tem essa mentalidade” pontua o CEO da Ginger,

Mas, para além dos custos, o mercado atendido pelas casas locais também têm de enfrentar alguns velhos dogmas, que acabam reduzindo as oportunidades de mitigação de impactos ambientais. Um exemplo clássico disso diz respeito ao nível de dosagem aplicado às aplicações.  Dá para diminuir o uso de solventes (derivados de petróleo) se o cliente estiver disposto a entender melhor a estrutura de custo do produto dele. Ele pode receber uma fragrância não diluída em solvente e vai aplicá-la a 0,2% e não a 1%, por exemplo. É óbvio que existe uma diferença no custo nominal de uma e de outra composição. E é nela que muitos clientes menores costumam parar a discussão. Ainda enfrentando problemas de abastecimento, o custo dos solventes cresceu muito, tornando as fórmulas mais baratas, inviáveis. “O cliente quer uma fórmula de US$ 10, principalmente os de saneantes. E não se consegue fazê-los entender que estão comprando solvente, que não tem cheiro”, diz Mendes. “Alguns começam a ver isso e começam a comprar fragrâncias concentradas, mas não é fácil convencer”, emenda. Além do ganho ambiental ao não usar solvente, reduz-se o custo também com os solubilizantes, que no caso do bisfenol, também não é um produto biodegradável.

Outro tema ambiental e que também vem sendo endereçado pelas indústrias de fragrâncias diz respeito à redução no uso de água no processo de produção, um tema para o qual todas as empresas estão olhando. “Vai requerer investimento e inovação para oferecer produtos no mercado que permitam o mínimo desperdício de água”, pontua Ulhoa, da Cramer.

Em meio a todas as discussões que no final vão impactar no portfólio de matérias-primas para a produção de fragrâncias, um reflexo esperado por Josiane, da IFF, nesse processo e que pode ser estendido para o mercado de forma mais abrangente, é que o número de ingredientes deve ser reduzido. “Não sei dizer se isso é bom ou ruim. Mas, falamos tanto em minimalismo, que menos é mais, que talvez esse seja um bom caminho”, acredita.

Fragrâncias que entregam mais

Mesmo com todo impacto das questões ambientais (e sociais) afetando o portfólio de ingredientes utilizados, e mesmo com todas as restrições de uso e de custo para criação, o olfato ainda é o que move a indústria de fragrâncias em sua relação com a indústria de higiene e beleza. Mas se criar uma fragrâncias que conquiste as pessoas pelo seu cheiro segue sendo a parte mais importante do negócio (embora, como já foi dito, levando em consideração mais camadas de restrições), é de se esperar que junto com a transformação no portfólio de ingredientes, abram-se novas possibilidades para que as fragrâncias ofereçam junto com um odor agradável, benefícios funcionais com uma maior comprovação científica. Não se trata de colocar esses benefícios acima do cheiro. Eles são secundários no caso de uma fragrância. Mas é algo que pode lhe dar um algo a mais. Na Symrise, o desenvolvimento de fragrâncias com benefícios é um dos pilares estratégicos, segundo Ramos, que antes de assumir o posto atual, esteve à frente da divisão de ingredientes cosméticos da companhia, o que lhe trouxe uma visão mais técnica em relação ao processo de desenvolvimento de produtos. Entre esses benefícios secundários estão, por exemplo, fragrâncias que possam ajudar na proteção antibacteriana; ou que atuam de forma efetiva para mudar a sensação e o humor dos consumidores, proposta da coleção Act Mood, lançada recentemente pela empresa.

“Acho que estamos no meio do caminho (em relação à efetividade dos ingredientes). Tem muita discussão e todo um debate da parte regulatória dentro de algumas regiões, mas essa é a tendência”, corrobora a diretora da IFF. Até porque, as fragrâncias já trazem, de fato, um fator emocional. O desafio é conseguir explicar melhor isso e falar em benefícios de outra natureza. Como exemplo, cita a linha ‘Cuide-se Bem Boa Noite’, que por meio de pesquisas, conseguiu ter o feedback do consumidor de que a fragrância do produto relaxa e ajuda a dormir. Mas ela mesma chama a atenção para o fato de que, mesmo com mais estudos e falando com mais clareza sobre as funcionalidades da fragrância, ainda não é nada que se possa cravar, como um hard claim. Mas, com o avanço desses estudos, poderíamos ver as fragrâncias como garantidoras de claims relacionados com a eficácia? “É tentador, mas entramos numa outra seara”, reconhece Josiane, para quem além do custo muito alto envolvido, isso restringiria muito o potencial olfativo. A própria aromaterapia, que comprovadamente funciona, não abriu muito o leque de ingredientes utilizados, são sempre os mesmos.

Para além dos preceitos da aromaterapia, existe muito mais que pode ser feito em termos de agregar funcionalidade às fragrâncias. Algo novo, já que há 15 anos, quando começou a falar disso, Matoso, da Kaapi, lembra ter sido rechaçado. Segundo ele, existe a possibilidade de se usar componentes sintéticos e naturais para permitir que a fragrância atue como promotora de permeação cutânea, facilitando a difusão de ativos cosméticos na barreira lipídica da pele. A questão aí é que a base vai chegar para o perfumista e ele não vai querer. “Eles não querem bases que venham com cheiro de algo ativo”, pontua Eduardo Matoso.

Campo dos mais promissores, a neurociência vem também como dos mais antigos, com vários estudos e trabalhos sendo conduzidos há tempos junto a hospitais e instituições de saúde. O presidente da Kaapi vê espaço para avançar mais nesse sentido, estudando e desenvolvendo a ação de algum ingrediente que quando o consumidor inspira, ativa a liberação de serotonina. Esse é um caso que vai funcionar para seres humanos e deve ser mais explorado nos próximos anos. “A indústria precisa de grandezas mensuráveis. Uma coisa é ter uma medida subjetiva. Agora, se conseguirmos medir o efeito neurológico de uma fragrância, medir a liberação de neuroquímicos no sangue por uma parcela grande da população, aí sim teremos uma super ferramenta, uma ciência fisiológica”, acredita o empresário.

Na Cramer, começa a ganhar espaço as pesquisas por novos tipos de produtos que possam ajudar a potencializar ou sinergizar os ingredientes da composição dos produtos. “Hoje, o cliente está buscando, mais que tudo, por propriedades que possam ajudar na eficácia do produto além do cheiro em si”, lembra Michel Ulhoa. O foco de inovação da companhia chilena segue sendo o de inovar no mercado por meio de parcerias com empresas de matérias-primas para oferecer produtos que sejam sinergizados. O executivo diz que, ao menos no curto prazo, não faz parte dos planos da empresa estabelecer a sua própria área de matérias-primas para a indústria de beleza.

Criando com menos impacto

O processo de criação olfativa de uma fragrância hoje é muito mais complexo e engloba conhecimentos multidisciplinares tanto técnicos quanto de mercado, mas até bem pouco tempo, as restrições eram de ordem de custos (o target para o preço da composição) e das listas restritivas, com as quais já vinham lidando.

Agora, os “narizes”, ainda o coração da criação perfumística, também têm que lidar com as restrições para a pegada de carbono e a biodegradabilidade dos ingredientes, dentro dos limites estabelecidos em cada briefing, por cada cliente. “A forma de criação das fragrâncias passa por um processo de inovação onde não só o contexto sensorial é importante como também (e às vezes até mais) os valores ambientais e sociais da composição perfumística”, acredita Cynthia Crespo. Ela acredita que aí reside a importância de se ter um portfólio rico em ingredientes voltado aos naturais, onde se permite unir bons perfumes a valores inestimáveis da atualidade.

A maior disponibilidade de dados e o uso de tecnologias de big data, machine learning e inteligência artificial ajudam bastante a tornar a tarefa operacionalmente menos braçal. Assim como a IFF tem as informações relativas a fontes de fornecimento e pegada de carbono nos ingredientes, a Symrise desenvolveu um exclusivo scorecard criativo, que já faz uma análise do impacto ambiental da composição criada pelo perfumista. “Ele já vê, no próprio processo criativo, qual o percentual de fontes renováveis, a biodegradabilidade e a pegada de carbono da sua criação”, conta Eder Ramos. Com isso, é possível que os perfumistas mantenham o controle sobre o que eles acreditam ser os melhores caminhos para aquele briefing, já respeitando esses critérios. Apesar de parecer, o presidente da Symrise não vê essas novas “imposições” como um limitador para a criatividade dos perfumistas da casa. “Quando começaram as restrições de ingredientes, muito se falou que seria o fim da perfumaria e, 20 anos depois, cá estamos. Foi importante para o futuro do mercado o que aconteceu lá atrás e é importante para o futuro do negócio e do planeta o que está acontecendo agora”, garante. Agora é a mesma coisa, reforça o perfumista da Ginger. “Vamos ter de aprender a criar sem alguns ativos por conta de preocupações com o meio ambiente. É algo que ainda está bem no início, mas que precisamos estar muito atentos”, diz Fabiano Ramos.

Robôs também foram incorporados à missão de agilizar o processo criativo já compreendendo essas novas camadas e dimensões de informações. Na IFF, um sistema robótico faz as predições de possíveis combinações já considerando todo o conjunto de informações sobre cada um deles. São mais de 1200 combinações já criadas e prontas para passar pelo crivo dos perfumistas da casa.

A ajuda da tecnologia será fundamental para otimizar o trabalho criativo nesse novo contexto, porque a demanda dos clientes por criações que respeitem parâmetros ambientais, como nível de biodegradabilidade das fragrâncias, pegada de carbono ou nível de ingredientes de fontes renováveis na composição é cada vez mais forte. Algumas empresas estão inclusive revendo seus portfólios para tentar melhorar o perfil de ao menos parte do seu portfólio olfativo sob esses novos critérios, o que gera um impacto tremendo, até porque já existe muito trabalho sendo feito para adequar fragrâncias às novas regras impostas pela IFRA. E não se pode esquecer que a troca de um mero componente pode alterar a fragrância num nível que, a depender da categoria de produto no qual a fragrância será aplicada, o consumidor sentirá a diferença na hora. Felizmente a maior parte das empresas tem optado por determinar que os novos parâmetros valham daqui para frente, o que pode ser menos complexo, mas é igualmente desafiador. É preciso delimitar com cada cliente qual o percentual almejado em cada casa, para cada item e em quanto tempo. Eder Ramos, da Symrise, diz que alguns clientes já estão exigindo da empresa que 100% da fragrância seja biodegradável, por exemplo. Para Josiane, metas ousadas nesse patamar, hoje, são muito difíceis de serem alcançadas, ainda que o próprio portfólio da IFF hoje, já seja cerca de 90% biodegradável.

Juntando tudo, a expectativa é de que os próximos anos terão tudo para estabelecer novos padrões de perfumação. Até porque, com todo esse volume de informação adicional que está sendo agregado a cada ingrediente do portfólio, será possível ir mais a fundo no entendimento das moléculas, abrindo novas oportunidades de combinações que podem resultar em fragrâncias com mais performance, mais benefícios e menos impacto ambiental. Já consegue sentir esse cheiro?

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