Mais COR por favor

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Fruto da miscigenação que vai muito além das clássicas combinações entre negros (de diversas etnias), índios (de diferentes tribos) e europeus (não só portugueses) a população brasileira é, historicamente, diversa. E não é pouca coisa não. Tanta mistura resultou em uma vasta paleta de tons de pele, muito provavelmente sem igual no mundo. Os diferentes cruzamentos inter-raciais também nos brindaram com a maior variedade em tipos de cabelos da Terra. As grandes multinacionais que dominam a categoria globalmente trabalham nos seus laboratórios brasileiros com oito tipos de cabelos distintos, do mais liso ao mais crespo. Com esses oito já é possível cobrir, praticamente, os tipos de cabelos atendidos pela indústria cosmética em todo o mundo. Mas, na verdade, isso não é nada. A renomada cosmetóloga Sônia Corazza realizou uma pesquisa há cerca de dois anos, pela qual estudou mais de seis mil mechas de cabelos virgens enviados por cabeleireiros de diferentes regiões do Brasil. Durante a análise do material ela catalogou mais de 500 níveis de curvatura diferentes de cabelos.

É provável que o leitor já esteja cansado de ouvir que "as pessoas estão buscando, cada vez mais, soluções que atendam as suas demandas específicas e sejam de marcas com as quais se identifiquem." Isso costuma envolver causas e propósitos assumidos pela empresa e com as quais o consumidor, em maior ou menor grau, se alinha. Mas, também é verdade que mais pessoas querem se ver refletidas naquela marca. "As mulheres, cada vez mais, não aceitam que (a marca) não tenha um produto para ela", acredita a maquiadora Juliana Rakoza. Com a difusão das redes sociais, se um grupo de consumidores se volta contra uma marca, até as pessoas que encontram o produto adequado para o seu tom de pele deixam de usar a marca. "As pessoas compram a marca e querem encontrar a base para o albino e para o zulu dentro da mesma marca. Por isso tem que começar a se preocupar muito com o portfólio", reforça a maquiadora. Ao mesmo tempo, quem vai a uma loja espera encontrar pessoas que de alguma forma conversem com a realidade dela, que a entenda, com quem ela se sinta confortável (aqui existe um forte componente socioeconômico). Em resumo, que ela encontre ali alguém parecida com ela ou com as pessoas com as quais ela está acostumada a conviver. "Principalmente no varejo, você precisa de diversidade o tempo inteiro, as consumidoras querem se ver representadas no ponto de venda", corrobora Leide Tavares, gerente de Marketing da Bel Salvador, uma das maiores redes de perfumaria do Brasil com lojas em estados do Nordeste e do Sudeste. 

Para empresas de bens de consumo a questão da diversidade ganha ainda mais relevância. Suas marcas são acessadas por milhões de consumidores de norte a sul do Brasil e é obvio que serão consumidas por pessoas de todos os tipos, de todos os gêneros, de todas as cores. Por isso a diversidade não é uma questão só moral, mas uma visão de negócio. E vale lembrar, diversidade no mercado de beleza envolve a "casca" de cada um de nós, justamente o que a gente expõe perante os outros. Sendo mais objetivo, estamos falando de cor da pele, do tipo do nosso cabelo, estamos falando de raça. 

Até é possível entender a diversidade a partir de dados demográficos (o IBGE os produz em profusão e com qualidade) ou de pesquisas contratadas. Mas isso tem dois problemas. O primeiro é que uma pesquisa estruturada desse porte custa muito dinheiro, muito mesmo. Segundo: sem ter a diversidade dentro de casa, é bem provável que falte sensibilidade, empatia ou visão de negócio para interpretar o que está por de trás daqueles dados. "A origem do problema está na falta de empatia, em não reconhecer o outro", explica a consultora especialista em diversidade Margareth Goldenberg. Atuando com o tema junto a grandes empresas de diferentes setores, a especialista diz que nos diagnósticos realizados na fase inicial de qualquer trabalho, o que se vê (e as pesquisas corroboram) é muito interessante. "Num time de brancos, heteros, homens, quando você pergunta se a empresa é diversa, eles dizem que sim, que é muito diversa, que não existe esse problema na empresa", conta. "É a invisibilidade do diverso. Acho que é uma tendência do ser humano contemporâneo", emenda Margareth. 

Quer um exemplo de como a falta de diversidade e empatia atrapalha a percepção das empresas? 

Há décadas que a indústria sabe que a maioria da população é formada por pessoas pardas. E também que a maior parte dessa população tem os cabelos cacheados ou crespos. Uma pesquisa intitulada "Qual é o pente que te penteia", realizada na década de 1990 por uma agência de publicidade brasileira, fez bastante sucesso entre os "marqueteiros" tupiniquins, que eram apresentados ao potencial do consumidor afrodescendente (negros e pardos, leia-se), então um mercado inexplorado e que se abria às empresas após a estabilização da inflação, fruto do plano real. 

Mais ou menos no mesmo período, a Unilever lançou o Seda Hidroaloe. Um dos primeiros produtos para cachos do mercado, o produto de Seda trazia estampada uma mulher parda, com cabelos levemente cacheados, algo inédito em uma marca de cosmético daquele porte, naquele momento. Foi um sucesso estrondoso, a ponto de a Unilever ter problemas para dar conta de entregar os pedidos. Entretanto, tamanho sucesso não foi o suficiente para fazer a empresa ou qualquer outra grande companhia internacional ou local, encarar a diversidade racial do Brasil como uma estratégia de negócios. Tanto que vivemos um longo inverno entre o bem-sucedido lançamento da empresa anglo-holandesa até o mercado de cachos (e produtos para pardos e negros, na prática) vingarem de fato no Brasil. Foram mais de 15 anos até a indústria acordar e, mais alguns, para que as grandes reagissem a um movimento que foi de fato liderado por pequenos e médios players locais, que acabaram crescendo muito em cima desse movimento. 

Não se pode dizer que as grandes companhias do setor não dispunham de dados e informações sobre o mercado. Pelo contrário, essas empresas dispõe de pesquisas sobre tudo o que se pode imaginar. Ainda assim, essa massa de dados não foi o suficiente para enxergar algo óbvio do ponto de vista demográfico. 

(Neste momento, é necessário pontuar um aspecto importante: sim, é preciso pensar que as grandes empresas, mesmo olhando para os números populacionais, não enxergassem naquela massa de gente um grupo de consumidores para os quais deveriam se preocupar em vender. Uma decisão de negócios válida sobre qualquer ângulo. Além disso, o entendimento comum na época, baseado em pesquisas, dava de barato que as mulheres crespas e cacheadas queriam alisar os seus cabelos. Atualidade Cosmética tem tudo isso em conta, mas, também acredita que isso refletia, primeiro, a falta de oferta de produtos de qualidade e adequados aos cuidados dos cabelos cacheados; e, segundo, a ausência de referências negras, cacheadas e crespas na mídia. Numa era anterior as redes sociais, a indústria poderia ter ajudado investindo mais para estabelecer algumas referências para o grande público).

É em situação como essa que a questão da diversidade dentro do ambiente corporativo faz toda a diferença. Numa empresa com homens (mais) e mulheres (menos) que vem de um padrão étnico, socioeconômico e cultural mais ou menos homogêneo (formados em boas universidades, com domínio de um idioma estrangeiro, vivência no exterior e afins), é realmente difícil conseguir olhar para a diversidade. Não por racismo, ou mesmo por preconceito. Simplesmente porque a diversidade não pode ser vista onde ela não existe. 

Em muitos casos, a mera presença de alguns indivíduos "diferentes" do habitual nas reuniões verdadeiramente importantes, com algum poder de influenciar sobre novos mercados ou produtos, por exemplo, poderia trazer insights valiosos de pessoas que convivem com uma situação ou com um tipo de problema prático como não ter um produto adequado para a pele ou o cabelo dela aos moços, moças, senhores e senhoras presentes na reunião. Quando não a presença, ao menos a convivência com essa fatia tão importante da população, que por motivos demográficos evidentes, sempre representou, quanto pouco, uma parcela relevante do consumo dos lares brasileiros. E, de novo, visitas assistidas às casas dos consumidores são muito válidas, mas não são elas que vão gerar empatia e conhecimento mais próximo à realidade do que aquelas pessoas sentem e almejam.

De um cabelo, para muitos cabelos
Num mercado constantemente acusado de "impor padrões", é preciso estabelecer sim referências de identidade, estéticas mesmo, que permitam aos diferentes perfis de consumidores que a marca se dispõe a enxergar. Para uma marca que não é de nicho, não adianta mais estabelecer um padrão e querer que ele seja almejado, desejado, perseguido por todas as consumidoras. Ter a Giselle Bündchen como garota-propaganda foi importante quando a empresa relançou a marca aqui no Brasil. Em pouco tempo Pantene alçaria as primeiras posições do mercado de cabelos por aqui. Para manter essa mesma liderança, a empresa tem se preocupado em rever e expandir o conceito do "cabelo Pantene". 
Isabella Zakzuk, diretora da área de Beauty na P&G Brasil explica que, de quatro, cinco anos para cá, a referência de cabelo aspiracional - que por anos teve a supermodelo como campeã absoluta - começou a ficar cada vez mais variada. "Para nós, o cabelo Pantene é ?o melhor cabelo que você pode ter?. E o da Giselle é um cabelo Pantene. Mas ele não precisa ser o único", explica a executiva. Isso levou a marca a incorporar mais diversidade ao time de embaixadoras da marca, que a representa em diferentes plataformas, para diferentes públicos. Mesmo antes do lançamento de uma linha direcionada especificamente às cacheadas.
 
Na verdade, a marca, por muitos anos, teve como approach, escutar o que a consumidora queria e oferecer a melhor solução para ela dentro daquilo. Naquele momento, o que a marca tinha para oferecer eram linhas que ofereciam reparação e hidratação. E, de certa forma, era o que a brasileira pedia também. Enquanto a participação da linha de Cachos Hidra-Vitaminados no mix de Pantene é de 10%, a penetração da marca em lares com cacheadas chega a 25%. "Conversando com a mulher brasileira, começamos a entender que a cacheada não quer só uma coleção de cachos. Ela quer soluções diferentes de hidratação, definição, reparação... Temos que nos aproximar com humildade para que ela nos ensine sobre o cabelo dela", afirma Isabella.

A diretora da P&G concorda que no momento em que a chave das consumidoras negras e cacheadas mudou, ali em 2014, 2015, ninguém da indústria entre os globais tenha assumido a necessidade de entender que, mesmo quando a mulher não verbaliza o que o cabelo que ela quer é o cabelo natural dela, era isso o que ela queria. "Concordo que algumas das empresas globais poderiam ter puxar essa movimentação. Mas não foi o nosso approach, que se manteve mais na linha do atender às mulheres com os produtos que elas nos pediam", lembra Isabella. Ao menos, nesse período o time de embaixadores foi reforçado, com a chegada de atrizes e influenciadores negras, que culminou com a chegada da atriz Sharon Menezes, como embaixadora da linha para cachos. Uma vantagem desse processo hoje, é que as marcas não precisam ficar refém dos padrões que aparecem na grande mídia, nas novelas, algo que inegavelmente restringia o escopo de diversidade da nossa sociedade.

Na Cless, a comunicação de marcas de maior alcance, como a Salon Opus, busca estabelecer uma maior identificação com o público consumidor. "Se o produto serve a quem tem cachos ou cabelos crespos, tenho que ser assertiva na comunicação para ela", lembra Daniela Ferré, gerente de Marketing da empresa. Na hora de montar o time de influenciadoras, a executiva busca aquelas que estão mais próximas da realidade das consumidoras da marca, para que a identificação e o engajamento aconteçam de forma mais natural.

Na mesma linha da representação, a BEL Cosméticos tem trabalhado para que tanto em relação ao atendimento quanto na comunicação visual, os clientes se sintam acolhidos. "Nas nossas imagens buscamos ter negras, brancas, ruivas, gordinhas, velhas. Inclusive, nosso slogan este ano é ?Bonito mesmo é ser você'", conta Leide Tavares.

Mostrando as caras
Assumir a bandeira da diversidade de peito aberto, levando-a para a estratégia da empresa e atrelando sua imagem a ela, é uma tarefa muito mais difícil do que o bom mocismo dos ambientes mais elitizados nos faz crer. Pegue o caso de algumas campanhas recentes de O Boticário que geraram muita repercussão por algo que deveria ser encarado de forma muito natural: tinham uma família negra, no melhor estilo "família Doriana", como protagonista. "Fomos surpreendidos com o tamanho da discussão, até porque o filme não era sobre isso (diversidade), era uma campanha de Dia dos Pais", lembra Cris Irigon, diretora de Comunicação de O Boticário. Apesar de num primeiro momento a discussão em torno do tema ter sido até agressiva, a executiva acredita que foi uma boa possibilidade de a gente tocar elas. "Assim como temos campanhas só com pessoas brancas, também temos campanhas só com negros, e mais da metade da população é negra. Qual a estranheza? Às vezes é um viés inconsciente e nós temos que provocar cada vez mais esse tipo de reflexão", pontua Cris. 

Principal empresa na construção do mercado de cachos no Brasil, a Salon Line também viu campanhas suas serem alvo de críticas sem sentido. "Sofremos muitos ataques na internet por causa das peças de comunicação com uma de nossa embaixadoras que é gordinha. Recebemos mensagens agressivas, dizendo que agora, só faltava nós colocarmos um leproso como garoto-propaganda", lamenta Kamila Fonseca, gerente de Marketing da Salon Line. A executiva reconhece que existe sim um risco para as empresas que assumem a diversidade de peito aberto, mas acredita que é um preço a se pagar.

Desde a sua fundação, a Salon Line vendia essencialmente produtos para transformação capilar, até que alguns anos atrás identificou um espaço não preenchido no mercado e tratou de ocupa-lo, oferecendo às consumidores locais o que nenhuma das multis havia feito até então: uma ampla linha de produtos para cacheadas, comunicadas de um jeito verdadeiro, divertido e sem tentar "maquiar" o público para o qual o produto era destinado. Hoje a empresa é a líder em pós-shampoo nas perfumarias e a terceira no canal alimentar, brigando, justamente, com as grandes empresas globais.

À medida que foi crescendo e ampliando o portfólio para atender outros tipos de cabelos, outras necessidade e, agregando, novas porta-vozes representando a diversidade de públicos que formam a sociedade e que a companhia se dispõe a atender e a entender. A Salon Line estabeleceu um modelo de proximidade com as consumidoras por meio de uma equipe de atendimento ao consumidor que exerce um papel estratégico na empresa, uma vez que o relacionamento delas com as clientes é de interação e proximidade. Mas, a empresa  trouxe a diversidade para dentro da casa. "Numa equipe que desenvolve conteúdo para o público, eu preciso ter uma negra para falar como é ser uma mãe negra, por exemplo. Trouxemos e lutamos muito para manter essa diversidade", reforça Kamila.

Desafios técnicos? Nem tanto
Atender a diversidade implica lidar também com desafios técnicos. Mas essa dificuldade é relativamente simples. Para Sônia Corazza, o grande problema está na falta de entendimento das empresas. Ainda mais num momento de crise. "As empresas estão correndo atrás do dinheiro, mas sem entender que se elas não entenderem a demanda dos seus consumidores, elas não vão ganhar dinheiro", afirma . Ela diz que as empresas muitas vezes olham para fora e ignoram as nossas necessidades aqui. "As necessidades são completamente diferentes e ninguém está muito preocupado em fazer o ajuste fino para atender as nossas necessidades", lamenta a cosmetóloga.

Na linha de maquiagem, a evolução na oferta de produtos que atendam a realidade e as peculiaridades dos tons mais escuros é evidente. "Três, quatro anos atrás, eu concordaria que não teríamos produtos para atender todas as peles. Mas hoje temos marcas acessíveis e elas nasceram muito mais focados em atender a diversidade. Muitas delas contam com vários tons que atendem a pele negra, mesmo as mais escuras", acredita Juliana Rakoza.

Esteticista e cosmetóloga com clínicas em São Paulo e no Rio de Janeiro, Suellen Campanhola, explica que existem diferenças entre os tons de pele o que torna a necessidade por produtos e procedimentos específicos considerável. As peles mais claras são mais delicadas, sensíveis e propensas a ter linhas de expressão. Conforme o tom de pele vai subindo, sobe também o fototipo e a pele fica mais resistente. Em compensação, ela é mais oleosa, com maior ação das glândulas sebácea. Apesar de mais forte, a pele negra é delicada em termos de produtos como ácidos e exfoliantes. "A pele escura tem uma maior propensão a manchar, mais do que a pele branca. Quanto maior o fototipo, maior o cuidado com produtos químicos", explica Suellen. Com base na experiência vivida na clínica, as peles negras ainda têm dificuldade para encontrar no mercado produtos próprios para essa pele. "Noto que as minhas clientes de pele negra têm muita carência ainda para encontrar produtos, principalmente naturais", diz.

Os iguais não fazem diferente
É relativamente fácil se autoconceder o título de "empresa que apoia a diversidade". O processo para sê-la é verdadeiramente difícil, em especial para as grandes empresas. O tema demanda mudanças estruturais e principalmente culturais dentro das organizações.

As empresas estão considerando a diversidade - de todos os tipos - como um fator relevante para o bom desenvolvimento dos negócios. Inclusive por conta da maior competitividade imposta pelo mercado, que eleva a necessidade de inovação. Uniformidade não pode ser bom para os negócios. Por isso mesmo que cada vez mais as estratégias de diversidade estão migrando do RH para se converterem em assuntos fundamentais dentro das áreas de negócios. "Diversidade não é uma opção, é uma necessidade porque o mercado é multicultural. Acreditamos que as visões de mundo diferente vêm para agregar, formam um conflito de ideias que torna os times mais produtivos e inovadores porque traz ângulos que nós talvez não teríamos", acredita Leide, da BEL.

A especialista em diversidade Margareth, lembra que se a sociedade estiver representada de forma equitativa dentro da empresa, ela terá mais facilidade para desenhar produtos que atendam às necessidades dos seus diferentes perfis de consumidores.

Um jeito aparentemente fácil de iniciar uma "politica de diversidade" é o estabelecimento de cotas de inclusão dos grupos alvo. Sem entrar no mérito, essa cota, nos casos que existem quase sempre é cumprida contratando-os para funções administrativas, sem grandes perspectivas de ascender à liderança. Por isso que estabelecer cotas é um jeito só aparentemente fácil de instaurar um bom plano de diversidade. Ao menos os que queiram endereçar a questão com a seriedade que ela merece. 

Diversidade com méritos
Um dos desafios relacionados aos programas e políticas de diversidade é promover o seu avanço por todos os níveis da companhia sem que para isso se abra mão da meritocracia nas promoções. 

Não se trata apenas de uma questão cultural, de racismo, (que também está presente), mas de uma realidade. Proporcionalmente, é um percentual menor da população negra e parda do Brasil que tem acesso a uma educação de bom nível - especialmente no ensino fundamental e no ensino médio - em terras tupiniquins. Essa dificuldade na formação educacional de base afeta sim a formação de mão de obra, que menos qualificada, tem muito mais dificuldade para avançar nos organogramas das companhias. E ignorar isso não é um bom caminho. "Temos que por a questão de raça na mesa, se não ela escorrega", acredita Margareth. "Não se pode tratar meritocracia x diversidade, como se fossem duas coisas distintas. Queremos diversidade com meritocracia", continua a especialista, para quem, ninguém está falando em baixar a barra para que as empresas contratar, mas em dar oportunidade a todos de participar dos processos. Para ter essa diversidade acessando a empresa, é preciso levar, novamente a questão socioeconômica em conta. "Não adianta divulgar as vagas só em faculdades de primeira linha como FVG E USP", conta Margareth. 

O que as empresas mais engajadas com a diversidade tem feito é buscado soluções que ajudem a minorar o problema, buscando formas de contribuir para a formação profissional das pessoas menos favorecidas lhes oferecendo condições mais equitativas para competir por promoções no futuro. A Cless investe na qualificação dos profissionais que estão na casa, tem potencial para ocupar boas posições, mas não tiveram a vivência e qualificação que o cargo exige. "Formamos muita gente aqui dentro", diz Daniela. 

Outro fator importante na disseminação da visão de diversidade é que as empresas conscientizem e cobrem isso dos seus fornecedores e parceiros de negócios. No caso e O Boticário, por exemplo, a marca não está preocupada apenas com a diversidade na frente das telas, ela quer diversidade também atrás das câmeras. "É um dos jeitos que nós temos para liderar essa transformação", afirma Cris Irigon. Na medida em que o tema deixa as discussões e começa a ser posta em prática, o peso das grandes companhias sobre suas cadeias de abastecimento costuma ser muito mais efetivo para colocar a diversidade não mais nas discussões, mas no dia a dia das empresas, do jeito mais natural possível.


MULHERES DE FUTURO
No ambiente muito masculino das transportadoras, a Patrus - que já tem um trabalho de referência com a inclusão de PCD's - tem feito um trabalho forte de diversidade com foco nas mulheres. Vinicius Braga, engenheiro de sustentabilidade da transportadora conta que a empresa tem feito um trabalho de base, preparando a empresa para ter cada vez mais mulheres nos postos mais altos da empresa nos próximos anos.  Hoje, a base de gerentes da companhia conta com apenas 12% de mulheres , incluindo a gerência da filial de Campinas (SP) a mais importante da empresa. Mas entre os coordenadores elas são 23% e na supervisão 75%. "Elas vão galgando posições na empresa. Se considerarmos que supervisoras viram gerentes", pontua Vinícius. O executivo lembra que a Patrus optou por estabelecer uma política bem estruturada. "Não adianta achar que vamos resolver isso de uma hora para outra, com cotas. É uma cultura e ela precisa estar incorporada, o que tem acontecido de maneira consistente nos últimos anos", conclui.


CULTURA DE TOLERÂNCIA
Um ponto importante da diversidade é que ela vem de diferentes frentes: PCD (pessoas com deficiência), Mulheres, LGBTA, Raça e Gerações.

Para que a diversidade seja parte da cultura e não um programa isolado é fundamental dar atenção à força de trabalho da empresa. É bastante provável que boa parte dela, em todos os níveis, não esteja habituada ou saiba lidar com esse novo contexto de diversidade. Para muitos, tamanha diversidade implica em ter de lidar com pessoas que aos seus olhos, são de outro mundo (ou coisa pior).  E, as empresas precisam ter isso em mente. 

Não adiante estabelecer uma política de diversidade e ignorar que uma boa parte da sua força de trabalho talvez não esteja preparada para lidar com a diversidade nos moldes como temos hoje. Não quer dizer que a pessoa seja racista ou homofóbica. Simplesmente ela pode não saber como lidar com tudo aquilo e precisa de ajuda e de apoio das empresas para se adequar à nova realidade. São pessoas com uma história na empresa e que vêm de uma cultura na qual certas atitudes - ainda que feias - eram sim toleradas, como o uso de certos termos e piadinhas de mau gosto. (É bom deixar bastante claro que situações como assédio sexual e ofensas raciais, por exemplo, não se enquadram nessas ?atitudes feias?. São atitudes deploráveis desde sempre, e crime já a um bom tempo pela nossa legislação).  

Nesse novo mundo, é preciso inclusive garantir o direito de uma pessoa de ser contra o estilo de vida de um colega de trabalho. A única coisa que ele precisa fazer é respeitá-lo. Por isso, parte fundamental do trabalho de diversidade nas empresas passa por treinar a força de trabalho e mostrar a toda a empresa da importância de se construir uma cultura de diversidade. Também é preciso estar aberto ao diálogo com todos os funcionários. Porque situações inéditas vão aparecer e será preciso lidar com elas. 




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