Private label: sofisticação própria

Com projetos mais focados e de qualidade, sobretudo pelo desenvolvimento dos varejistas e terceirizadores, as marcas próprias vivem grande momento no mercado de Higiene Pessoal e Cosméticos


Independentemente dos mercados de atuação, quando falamos de marcas próprias, a análise de que elas só existem por incompetência da própria indústria em ocupar todos os espaços sempre vem à tona. Não há como negar que essa tese é verdadeira, mas, como qualquer bom exemplo de sucesso, as marcas próprias surgiram, se encaixaram nos mais variados nichos, hoje seguem crescendo e o melhor de tudo, se desenvolvendo. E o fato de estarem fornecendo ao mercado itens cada vez mais sofisticados, põe por água a baixo a observação de que estes produtos de private label possuem qualidade e preço inferiores do que aqueles provenientes de marcas convencionais. Desta forma, a confiança dos consumidores nestes itens também aumentou já que, além da qualidade, os projetos, conceitos e direcionamentos estão mais nítidos ultimamente.

O fabricante, no caso terceirizador, também tem sua parcela de participação nesta evolução. Com uma parceria entre cliente e terceirista baseada na fidelidade, o desenvolvimento de itens de marca própria vive um momento único em alguns mercados, como o de Higiene Pessoal e Cosméticos. O varejo é outra peça fundamental neste processo, já que o varejistas, no caso o cliente, tem claro em mente esse momento vivido pelas marcas próprias e por conta disso, já buscam explorá-las e também já estão dando mais espaço a elas em suas prateleiras.

Na visão da gerente de Atendimento ao varejo da Nielsen, Lenita Mattar, essa nova fase é decorrente de todo um processo de reposicionamento das marcas próprias, iniciado na década de 90, desempenhada como alternativa de qualidade para o consumidor e não mais apenas uma marca restrita a um apelo de preço baixo. “Desde então, as marcas próprias vem se aprimorando e conquistando aos poucos os consumidores. No cenário atual, representado pela leitura do painel de domicílios da Nielsen no ano de 2012, mais da metade dos domicílios do Brasil (56%) compraram marcas próprias”, ilustra Lenita. Já a avaliação feita pela consultoria na cesta de Higiene e Beleza mostra que neste mercado em 2012 a participação das marcas próprias é de 4,8%. Além disso, o faturamento destes itens nesta cesta de produtos cresceu 14% no último ano e foi significativamente superior ao crescimento médio das marcas próprias em geral, que ficou em 8,4%.

Fatores de impulso
A atual fase vivida pelo consumo de um modo geral no País é apontado como principal motivo impulsionador para que as marcas próprias vivam um momento único. Com o aumento no poder de compra, o consumidor está mais aberto a experimentação e os itens de private label são beneficiados por isso. Porém, ao mesmo tempo, eles são afetados pelo fato de as marcas aspiracionais também se tornarem mais acessíveis, como descreve a gerente da Nielsen. “O fato é que o consumidor brasileiro de forma geral está aprendendo a consumir, a buscar a otimização do seu poder de compra analisando custo-benefício e podendo agregar à sua cesta de compras segmentos e categorias que antes não tinha acesso. E esse cenário é promissor para todas as empresas que compreendem os anseios e o comportamento dos shoppers e oferecem soluções que os atendam”, contornou Lenita.

O diretor de Vendas da beauty’in, Carlos Baldan, lembra que o mercado brasileiro amadureceu bastante nos últimos 20 anos e a competitividade com as marcas importadas favoreceu essa evolução das marcas próprias no Brasil. “Além do aumento da renda e a procura por produtos com maior e melhor qualidade, surgiu um espaço para as redes de supermercados e farmácias oferecerem também suas marcas próprias. Na Europa e nos Estados Unidos  esse conceito já é muito explorado”, cita o dirigente da companhia, que no ano passado teve 40% de seu capital social total e votante adquirido pela Farmais, franquia controlada da Brazil Pharma. Também em 2012, a beauty’in realizou uma parceria com a BR Pharma para o desenvolvimento de produtos da linha de private label da rede.
Projetos bem direcionados

Atentos a esses fatores que fazem as marcas próprias de beleza viverem um bom momento, os varejistas se desdobram para desenvolver projetos de produtos cada vez mais focados, que possam de fato agregar algum valor quando estiverem no mercado. “Acredito que atualmente o cliente está mais exigente, e os varejistas estão correspondendo a isso, com produtos mais direcionados para este público. O sucesso desse setor ocorre justamente porque cada um dos lançamentos é cuidadosamente estudado, levando em conta as necessidades, procura e exigências dos clientes”, observa Francisco José de Barros, gerente de Negócios Especiais da Pague Menos, rede que conta hoje com mais de 500 itens das marcas Amorável, Dauf, Pague Menos e Power Vita, disponíveis nas suas mais de 600 lojas pelo Brasil.

“Notamos que o varejo brasileiro está cada vez mais investindo nas marcas próprias, muitos possuem áreas inteiras destinadas ao desenvolvimento dessas marcas e estão constantemente estudando oportunidades e realizando lançamentos no mercado”, ressalta Lenita Mattar, da Nielsen, reforçando que a marca própria além de trazer uma boa relação de rentabilidade, busca se tornar um diferencial competitivo de fidelização para os varejistas.

Elo importante na cadeia de criação de um produto de marca própria, as empresas terceirizadoras também estão com os olhos bem abertos para esta realidade atual e estão procurando estar cada vez mais próximos de seus clientes para entender qual sua real intenção com um novo produto. Muitos já participam de todo o processo, do começo ao fim. “Darei um exemplo de como estamos no início de uma nova fase e os varejistas mais focados. Ocorre quando um produto de marca própria inicia uma tendência. Por razões de sua política de sustentabilidade, o Walmart Brasil disponibilizou ao mercado através da sua marca Equate, sabonetes líquidos em embalagem refil (stand up pouch), sendo a primeira empresa a adotar essa embalagem há quatro anos atrás. O sucesso foi  tamanho que hoje diversas multinacionais do ramo se renderam ao formato e também passaram a disponibilizar seus produtos em refil”, informa Tennyson Moreira, diretor da Sanaj Industrial.
 Para o sócio-diretor da Flexicotton, Etienne Gruhier, os projetos dos varejistas com marcas próprias estão mais focados pelo fato de esses itens proporcionarem margem de contribuição maior para eles. “Private label é um conceito que tem de ser adotado na cadeia inteira do cliente. Cada cliente da Flexicotton está com implantação em fase diferente, mas podemos afirmar que para alguns deles, a linha de produtos que fornecemos é hoje líder no ranking de venda da categoria deles”, destaca Etienne. “Com o aquecimento da economia, os novos empreendedores vislumbraram a possibilidade de lançarem suas marcas próprias, obtendo produtos de alta qualidade, ótimas margens de lucro e grande visibilidade institucional. Somos uma ferramenta facilitadora para estes empreendedores potenciais”, adiciona Renato Cruz, diretor da companhia terceirista Total Performance.

Qualidade assegurada
Como foi destacado anteriormente, a qualidade é algo imprescindível para sustentar esta fase vivida pelos produtos de marcas próprias no segmento de beleza. E os varejistas sabem disso e já não conseguem mais visualizar nenhum produto de sua linha de private label sem este atributo. “De fato, num primeiro momento o foco principal era ‘preço’, o que até prejudicou um pouco a imagem dos produtos de marca própria, pois a qualidade deixava a desejar. Hoje, para uma empresa ser fornecedora de marcas próprias de qualquer rede, deve passar por rigorosas auditorias de GMP (realizadas pelas empresas líderes mundiais em inspeções da qualidade) e obter notas acima de 90%. Os produtos antes de serem lançados também devem passar por todos os testes de qualidade, segurança, sensorial, etc”, exemplifica Tennyson Moreira, da Sanaj, que lembra ainda que o segmento de higiene pessoal e beleza foi o último a entrar em marcas próprias.
“Existia uma certa resistência por parte das redes atacadistas e varejistas, pois acreditavam que os produtos das categorias deste segmento não teriam boa aceitação com suas marcas próprias ou bandeiras. Ao contrário do que alguns pensavam, hoje produtos de marca própria de higiene pessoal e beleza de algumas redes ocupam a vice liderança, as vezes até o primeiro lugar, em diversas categorias”, completa. Para Renato Cruz, da Total Performance, o Brasil passa por um momento singular, em que o empreendedorismo está em alta e o mercado de HPC não para de crescer. Por conta disso os brasileiros aproveitam a oportunidade de realizarem esse sonho outrora tão distante de ter sua marca própria. “Com o aquecimento do mercado nacional, hoje temos condições de ter mais tecnologia e investimentos em inovação, o que faz com que nossos produtos se igualem em termos de qualidade aos produtos importados”, pontua.
A evolução do mercado nestas duas últimas décadas é acompanhada de perto pela Flexicotton, empresa terceirista que está neste mercado há mais de 15 anos. Para o sócio-diretor da companhia, é possível afirmar que o Brasil está numa fase já consolidada na marca própria, com conceitos claros e estratégicos para o varejo. “Desde o seu início, nos anos 1970, identificamos quatro fases na vida da marca própria. A quarta fase teve início em 2005, também chamada de geração valor, cujo foco é agregar novos conceitos ao produto ou serviço, que estejam claros a vista do consumidor como conceitos ligados à inovação, ao bem estar, à sustentabilidade, entre outros”, opina Etienne Gruhier, que completa dizendo que hoje a Europa possui o maior destaque no consumo de marcas próprias, com 33% em valor de participação de mercado. E que no Brasil, há uma grande perspectiva que a participação de 4,8% das marcas próprias no valor de mercado nacional aumente.

Produtos e canais quentes
De acordo com análise da Nielsen, pode-se resumir a relação entre os canais de venda e os produtos de marca própria da seguinte maneira: para o canal Farma, produtos de uso de higiene pessoal têm melhor desempenho, e no canal alimentar há bastante opções, tanto na área de alimentos quanto na área de limpeza. “As marcas próprias possuem maior força em alimentos sobretudo commodities, e também em Limpeza. Porém, notamos que setores como Higiene e Beleza e Perecíveis Industrializados se destacaram mais em crescimento do faturamento. Isso é resultante de todo esse cenário que abordamos anteriormente, ou seja, do desenvolvimento das marcas próprias em segmentos de maior valor agregado”, diz Lenita Mattar.
A gerente de atendimento ao varejo da consultoria também ilustra o cenário destes produtos no segmento de Higiene e Beleza. Segundo ela, o consumidor apresenta comportamentos diferentes de compra para higiene e para beleza, sendo que as marcas próprias estão mais desenvolvidas hoje no segmento de higiene. “A lista das dez categorias com maior participação de marcas próprias no setor como um todo nos autosserviço é preenchida quase que em sua totalidade por categorias relacionadas à higiene pessoal. No entanto, no último ano, produtos para cabelo apresentaram expressivo crescimento em volume com essas marcas, como por exemplo shampoo (8%) e condicionador/cremes de tratamento (9,3%)”, contextualiza.

Lenita Mattar ainda traz um parecer sobre como está a atuação das marcas próprias nos canais de venda. Com base nos dados da Nielsen, em 2012, no canal farma, a participação das marcas próprias ainda é baixa e representou 1,1% do faturamento das categorias de higiene e beleza, porém o crescimento dessas marcas foi mais expressivo neste canal que no autosserviço: 17% contra 8,4%. “O canal farma vem se destacando frente ao autosserviço de maneira geral para as categorias de beleza. As grandes redes de drogarias estão se tornando cada vez mais especialistas nesse setor, com sortimento e exposição diferenciados, o que é um ótimo potencial para as marcas. Há que se considerar essa oportunidade, porém o canal de autosserviços ainda representa a maior fatia desse mercado”, vislumbra ela.
Na concepção de Francisco José de Barros, da Pague Menos, as categorias com melhor desempenho são as de primeira necessidade, e o canal  que vem melhor se destacando é o farma. “Isso devido à sua conveniência e os diversos serviços oferecidos”, acentua. Já para o terceirista Renato Cruz, da Total Performance, o segmento capilar continua absoluto. “Porém, com a vaidade dos brasileiros em alta, os produtos corporais e make up estão em evidência satisfazendo um grande mercado de  homens e mulheres”, rechaça o dirigente. Enquanto isso, na opinião do também terceirista Tennyson Moreira, da Sanaj, há espaço e oportunidades em todas as categorias, de maquiagem a protetores solares. “Por exemplo, não seria interessante para uma grande marca de roupas de surf agregar ao seu portfólio de produtos uma linha de proteção solar? Quanto aos canais diria que o varejo/atacado tradicional continua aquecido, bem como o canal farma, mas novos players estão surgindo com marcas próprias em higiene pessoal e beleza, como magazines e distribuidores exclusivos de cosméticos.”

Cases exemplares
Exemplos de sucesso com private label mundo afora não faltam. A principal referência neste mercado continua sendo a rede de farmácias do Reino Unido Alliance Boots, que no ano passado teve 45% de seu negócio comprados pela Walgreens, numa operação que originou a maior rede do varejo farmacêutico mundial, com mais de 11mil lojas pela Europa e pelos Estados Unidos. A Alliance Boots desenvolveu sua primeira linha de marca própria Nº7 em meados dos anos 1930, como meio de buscar diversificar seus serviços para continuar crescendo. Esta marca Nº7 é um case de sucesso até hoje, com produtos de alta qualidade, sendo líder no segmento de skincare no Reino Unido. Há ainda uma estimativa que aponta que a cada três mulheres britânicas, uma possui um produto desta marca em sua bolsa de maquiagem. A linha Nº7 possui ainda itens anti-idades, protetores solares, banho, eletrobeleza, entre outros.

O Carrefour é um player do varejo alimentar que também conta com um extenso portfólio de marcas próprias. No Brasil, são mais de mil itens distribuídos em cerca de dez categorias. Recentemente, o varejista de origem francesa firmou uma parceria com a Alliance Boots para a criação da linha de marca própria Carrefour na Europa. O acordo foi firmado para acontecer em longo prazo, com o intuito de a linha acompanhar o desenvolvimento do novo conceito do Carrefour, o Planet, que trabalha agrupando soluções de consumo, chamados de universos, e que já se faz presente em algumas lojas no Brasil. Acredita-se que a Boots, por meio de sua indústria manufatureira (BCM – Boots Contract Manufacturing), produzirá itens de maquiagem, skin care, cabelo e banho. A intenção do Carrefour é aumentar a atratividade do consumidor em beleza, com a qualidade e confiança que sua marca já possui em outros pilares, como alimentos.
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