Venda direta: matando dragões

Canal fundamental para a distribuição de cosméticos no Brasil, a venda direta não tem conseguindo manter o mesmo ritmo de crescimento dos últimos anos. Como acompanhar o passo atual do avanço do mercado cosmético? A resposta: enfrentando os desafios que ainda perturbam as empresas do segmento                                   
 

A venda direta não é só um sistema de distribuição importante para o mercado cosmético brasileiro. É um canal essencial. Durante anos, de mãos dadas com as franquias, o canal vem preenchendo as lacunas deixadas por um varejo multimarcas ineficiente, que nunca teve fôlego suficiente para se expandir em um país de proporções continentais e infraestrutura precária. Além disso, impulsionada pela figura central das consultoras ou revendedoras, as marcas de cosméticos que atuam no segmento desbravaram categorias mal trabalhadas pelo varejo, como a maquiagem e os produtos anti-idade, conquistando as consumidoras com um um trabalho de distribuição que combina comodidade e serviço especializado com uma rica oferta de produtos.

Porém, apesar desse casamento harmonioso entre o canal e o mercado cosmético, que faz com que 40% do mercado de higiene e beleza brasileiro seja realizado no porta a porta, e que mais de 80% dos produtos comercializados no canal sejam cosméticos, o segmento de higiene e beleza cresce a passos largos, a venda direta nem tanto. Depois de dois anos de crescimento na casa dos dois dígitos, cerca de 18% a cada ano, a Associação Brasileira de Empresas de Venda Direta (ABVED) - que representa as principais empresas do segmento- amargou em 2011 um crescimento de 5,4%, uma evolução modesta se comparada com os dados dos anos anteriores.

Porém, esse resultado não desestimulou as empresas a investir neste canal. Nos últimos anos, os líderes do mercado que reinaram absolutos durante décadas, Natura e Avon, viram uma enormidade de empresas cosméticas entrarem para brigar por uma fatia desse bolo de cerca de R$30 bilhões de reais. Companhias que já nasceram grandes, amparadas por grupos poderosos, como Jequiti e Eudora- uma pertencente ao Grupo Silvio Santos outra ao Grupo Boticário- outras que surgiram pequenas mas foram crescendo, como a Yes Cosméticos, e outras ainda que já caminharam muito em outros mercados antes de desembarcar em terras brasileiras, caso da peruana Belcorp e da norte-americana Mary Kay. “ Há uma oportunidade muito grande no mercado do porta a porta brasileiro, pois esse mercado tem somente dois grandes players, Natura e Avon”, diz  Lásaro do Carmo Junior, CEO da Jequiti Cosméticos.

Essas novas empresas chegam dispostas a inovar, requisito essencial para quem quer sobrevier em um mercado tomado por duas gigantes mundiais da beleza. E para se diferenciar vale tudo: desde experimentar sistemas multicanais que misturam venda direta com outros canais de venda como as franquias, lojas-conceito, e até mesmo o vilão das revendedoras, o e-commerce; como inovar adotando sistemas multiníveis que atraiam mais revendedores por meio de margens de lucros mais gordas. Cercadas por empresas novas que não medem esforços para se diferenciar, as grandes se mexem, mas enfrentam medos antigos e grandes desafios nessa trajetória em busca da renovação.

A venda direta multicanal
“Multicanal” é uma das expressões mais utilizadas pelos especialistas em varejo nos últimos anos. Não é de hoje que o varejo vem criando caminhos para trabalhar com diversos canais de distribuição, visando atender os diferentes consumidores nos mais variados momentos de compra. Marcelo Alves, diretor Técnico e de Marketing da Direct Biz Consultants, consultoria especializada em venda direta, explica que essa tendência deve também se desenhar no horizonte na venda direta brasileira, porém o movimento de adesão das empresas brasileiras a esse sistema ainda é tímido.

Os novos players são os que mais apostam nessa tendência. A Eudora, por exemplo,  é uma marca multicanal por essência, pois combina venda direta, social- commerce e flagship stores. “Eudora tem o foco na venda direta, mas também tem atuação multicanal, com venda em lojas e pela Internet, ampliando a acessibilidade aos nossos produtos para a mulher moderna”, diz Ivon Neves, gerente comercial de Eudora. A Yes Cosméticos, por sua vez, combina uma operação de venda direta com um sistema de franquia que já conta com 350 franqueados, que comercializam os mais de 450 itens da companhia em todo o Brasil.

Entretanto, a aposta no multicanal não é uma exclusividade das empresas jovens. A empresa líder no mercado brasileiro de cosmético e de venda direta, Natura, mantém desde fevereiro do ano passado, uma loja-conceito em um dos endereços mais nobres da capital paulistana, a rua Oscar Freire, no bairro dos Jardins. A empresa ainda revelou que pretende expandir o projeto para outras capitais brasileiras e que, até o final deste ano, deve abrir entre 20 e 30 novas lojas. Com esses espaços diferenciados, a Natura pretende divulgar e valorizar  sua marca, apresentando seu portfólio a um público que tem pouco acesso a seus produtos e criar um espaço para experimentação.

Quem tem medo o e-commerce?

Apesar dos exemplos de ações multicanal observados na venda direta, o segmento ainda enfrenta um desafio titânico para conseguir atuar com o canal que vem revolucionando os hábitos de consumo das pessoas ao redor do globo: o e-commerce. “O e-commerce é um caminho sem volta”, sentencia Valéria Rossi, Diretora Comercial da Jafra Cosméticos, “ e administrar esses dois canais (porta a porta e e-commerce) é um desafio muito grande para as empresas de venda direta”, completa a executiva.

O desafio o qual a executiva da Jafra se refere é o de montar uma operação virtual que não rivalize com quem faz o sucesso das marcas de venda direta, os consultores de venda. “Realmente existe uma preocupação com essa questão. O porta a porta só dá certo no Brasil e no México pois não existe duplicidade de canais de venda. A consultora tem muito mais argumento de venda quando o produto não está disponível em mais de um canal”, explica o CEO da Jequiti.
Entretanto, o executivo assume que a empresa do Grupo Silvio Santos está se estruturando internamente para, em um futuro próximo,  conseguir atender o consumidor final sem penalizar a consultora. Porém, por enquanto, a empresa- assim como outras do mercado como a Avon-  somente disponibiliza os catálogos em seu site, juntamente com uma ferramenta em que o consumidor fornece seu CEP e a empresa indica a revendedora mais próxima de sua casa.

Já Valéria Rossi, da Jafra, empresa norte-americana que tem mais de 600 mil revendedoras no mundo todo, revela que a empresa tenta encontrar uma maneira de, no futuro, montar um e-commerce que possa ser desenvolvido e mantido juntamente com seus revendedores. “Temos estratégias para o futuro com o e-commerce, para administrar esse canal junto com nossa liderança, pois acredito que seja difícil trilhar esse caminho sozinho”, revela a executiva.

Porém, o pé atrás das empresas de venda direta com o comércio eletrônico não se estende para outras ferramentas do ambiente virtual. As redes sociais têm sido um ferramental importante para aumentar a visibilidade das marcas, e para incrementar as vendas e a certeira de clientes das revendedoras, Ivon, da Eudora, ainda acredita que o ambiente virtual além de funcionar como uma ponte entre empresa e revendedora, também pode ser impulsionar as vendas em outros canais. “Mais do que o canal e-commerce, as alternativas digitais proporcionam hoje alavancas interessantes para os demais canais”, destaca.

Bico não, oportunidade de negócio
Reza a lenda que a venda direta cresce mais em momentos de crise do que em tempos de estabilidade econômica. Um país com altas taxas de desemprego é território fértil para empresas de venda direta arrebanharem mais e mais consultores de venda, que são atraídos por estarem desempregados ou por buscarem um complemento para a renda familiar. “De fato, em momentos de crise o mercado cresce em cima do canal, pois aumenta o número de revendedores, porém, em outras épocas, o mercado cresce em cima do volume de vendas”, detalha o especialista da Direct Biz.

Esse é mais um grande desafio que as companhias atuantes na venda direta enfrentam no mercado brasileiro atual: Como conseguir conquistar mais revendedores em uma época em que temos pleno emprego?

A resposta para essa pergunta está na profissionalização do canal, ou seja, ao invés de oferecer somente um complemento de renda, as empresas de venda direta estão começando a vender a ideia de que o sistema pode ser um grande negócio para quem quer independência financeira, começando um negócio próprio. “Na última década, essa atividade tem sido desenvolvida de uma forma muito consistente, pois as pessoas passaram a adotar uma postura muito empreendedora, a venda direta não tem sido encarada mais como um bico, mas tem sido vista de uma forma profissional”, afirma Marcelo.

O executivo ainda segue dizendo que essa profissionalização do canal se deu por dois motivos. O primeiro, pois as próprias empresas passaram a se preocupar e a investir na capacitação de seus revendedores, promovendo seminários e cursos em áreas como gestão e vendas. “O cerne da profissionalização da consultora está no investimento na capacitação e no treinamento”, sentencia Lásaro, da Jequiti.

A opinião da executiva da Jafra vai ao encontro da de Lásaro. Segundo Valéria, nos últimos anos, o conceito do porta a porta se distanciou do de venda direta, sendo que hoje, o papel dos revendedores não se limita a vender, mas em oferecer uma consultoria aos clientes. No caso das consultoras de cosméticos, a executiva acredita que elas devem ser treinadas para oferecer às consumidoras uma consultoria em beleza. “A minha líder não vende o produto simplesmente, ela ensina a usar. Ela dá uma orientação ao invés de simplesmente entregar o folheto, as revendedoras dão uma consultoria em beleza”, sublinha a executiva.

A segunda questão que tem auxiliado na profissionalização dos consultores de venda, é o número crescente de empresas que passam a atuar no País adotando o sistema de marketing multinível. Diferentemente do mononível, em que as revendedoras trabalham sozinhas e tem suas margens de lucro limitadas por um valor pré-estabelecido pela empresa, com quem negociam diretamente os pedidos dos produtos; no modelo  multinível, os revendedores não se dedicam exclusivamente à venda, mas também ao recrutamento, treinamento e abastecimento de novos consultores, que dividirão com o líder da equipe os lucros de suas comercializações.
Esse modelo, que permite a criação de cargos de liderança e remuneração mais generosas aos chefes das equipes, tem sido a resposta que as empresas tem encontrado ao redor do mundo para convencer os empreendedores que desejam começar o próprio negócio, a investir e apostar na venda direta. A adoção do modelo tem sido tão constante pelas empresas a ponto de, segundo o especialista da Direct Biz, se tornar uma tendência mundial no segmento.

Jafra, Belcorp e Mary Kay são as estrangeiras que estão apostando no multinível para suas operações brasileiras. No caso da Belcorp, que atua com as marcas Ésika, Cy.zone e L’Bel em mais de 16 países, Brasil e Estados Unidos são os únicos mercados em que a peruana aposta no modelo multinível, por conta da possibilidade de atrair mais revendedores por meio de uma remuneração maior, aumentando assim, a capilaridade da marca.

Em um caminho um pouco diferente da Belcorp, a norte-americana Jafra atua em 22 mercados utilizando o modelo multinível em todos eles. “Pelo próprio diferencial do nosso modelo de negócio, nós costumamos atuar de uma maneira muito semelhante em todos os nossos mercados, levando em conta que existe sempre uma customização em cada país”, pontua Valéria Rossi.

Na contra-mão dessa tendência, Lásaro explica que a Jequiti ainda têm suas operações ancoradas no mononível pela facilidade de gerenciamento que esse modelo oferece à companhia. “Hoje nós estamos no mononível pois, quando se inicia uma empresa de porta a porta, é muito mais fácil você ter as consultoras perto de você. O mononível facilita a fidelização das consultoras e, consequentemente, o controle das operações”, detalha o executivo da empresa que tem apenas seis anos de mercado. Entretanto, ele confessa que conforme a empresa for expandindo e aumentando seu número de revendedoras, a tendência é que eles passem a atuar no binível, um sistema já utilizado pela Natura, que utiliza a consultoras mais experientes para fazer a mediação entre as revendedoras e a empresa. “A tendência da Jequiti é migrar para um bilevel quando alcançarmos 300 mil consultoras, provavelmente nem chegaremos no multinível”, revela ele.

Os novos contornos do porta a porta
Depois de décadas funcionando sob as regras fixadas por Natura e Avon, as principais empresas do segmento no Brasil, o mercado de venda direta brasileiro começa a ganhar novos contornos e deve, nos próximos anos, passar por mudanças em sua estrutura em função da entrada de novos players que acirram a concorrência e trazem novos modelos de negócio.

As tendências observadas em mercados mais maduros dão o tom do que deve se tornar realidade em breve no mercado nacional. A aposta em um modelo multicanal para aumentar vendas e valorizar a marca, a utilização de sistemas como o binível e o mononível para incrementar as margens dos revendedores, e o investimento no treinamento e na capacitação de consultores, são movimentos que, se ainda não chegaram, devem chegar ao mercado brasileiro de venda direta com força. Se preparar para as mudanças que estão por vir e, até mesmo, se antecipar a elas será essencial para se diferenciar e, consequentemente, crescer. Porém, para isso, as empresas de venda direta do mercado cosmético brasileiro devem enfrentar e matar os dragões que as impede de alcançar a torre da renovação.
 

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