Perseguindo o futuro

Perseguindo o futuro

Como o Grupo Boticário pensa a inovação em embalagens e coloca o consumidor no centro das suas decisões relacionadas ao tema

Pouco mais de dez anos atrás, quando O Boticário lançou o negócio de Eudora dando início ao embrião do que viria a ser o Grupo Boticário, existia uma regra não escrita entre as equipes envolvidas com o desenvolvimento de produtos (em especial Marketing e P&D) das duas marcas, principalmente dos veteranos de O Boticário em relação aos colegas da nova empresa de venda direta: mantenha distância! Na prática, as equipes responsáveis pelo dia a dia do negócio se tratavam como concorrentes e essa orientação era transmitida inclusive aos fornecedores mais estratégicos da empresa, ainda que esses fornecedores fossem os mesmos.

Muita água passou desde então. Outras marcas foram sendo incorporadas ao portfólio e o Grupo Boticário, constituído formalmente, passou a contar com áreas corporativas que atendiam aos diferentes negócios da companhia. Mas o processo de desenvolvimento ainda era regido sob a ótica das marcas como unidades de negócios independentes. Quando o Grupo Boticário estabeleceu a estratégia de um só grupo, e as áreas de negócios foram redesenhadas sob uma ótica de canais, e os processos de desenvolvimento e gestão de produtos, por categoria, a ruptura com o modelo anterior foi total. 

Atualmente, ao invés de cada marca ter seus próprios líderes e gerentes de Marketing e Produto e do time de Inovação ter de lidar com diferentes clientes internos para um mesmo tipo de produto, cada um de uma marca - o que invariavelmente gerava sobreposição, conflitos e embates pela ocupação de territórios - existem responsáveis por lidar com toda a oferta de uma determinada categoria. A área de Marketing foi dividida em duas diretorias, uma de Perfumaria e Presentes e outra de Beauty e Personal Care. Hoje, todos os produtos de perfumaria, independentemente da marca, estão sob o mesmo guarda-chuva. Já os itens de maquiagem ou de cuidados capilares, não importa se de O Boticário, Eudora, Vult ou Truss, têm um mesmo dono.

Essa reorganização teve reflexos diretos na forma como o Grupo Boticário organiza a sua área de Inovação e Desenvolvimento. “O nosso maior cliente interno é o Marketing e nesse modelo, eles já têm muito claro qual o território, o tier de preço e o equity de cada marca em cada categoria de produto. Isso já vem muito bem delimitado e direcionado, o que facilita muito os nossos processos de desenvolvimento”, explica Gustavo Dieamant, diretor de Inovação e Desenvolvimento do Grupo Boticário.

Ao tornar mais claro os papéis e territórios de cada produto e marca dentro da estratégia corporativa de uma determinada categoria, a área de Inovação e Desenvolvimento ganhou muita agilidade para que o time de desenvolvimento possa responder com mais velocidade e assertividade as demandas que chegam das diretorias de Marketing. Ao mesmo tempo, a área abriu mais espaço e tranquilidade para pensar em inovação, as pesquisas de médio e longo prazo que são fundamentais para que o Grupo Boticário possa cumprir e ir além com os seus objetivos e compromissos de médio e longo prazo, muitos dos quais passam diretamente pelo que vai acontecer com a evolução de materiais e processos relacionados com a área de embalagem.

Uma estratégia coesa
Sob a política de um só grupo, foi necessário estabelecer uma estratégia corporativa de embalagens mais coesas para o Grupo Boticário, fundamental para alinhar o papel da embalagem nas entregas que a empresa precisa fazer em várias frentes hoje e no futuro. A base dessa estratégia é o seu alinhamento com todo os aspectos que são transversais à toda a operação do Grupo Boticário, caso dos compromissos mandatórios e inegociáveis da empresa, que passam pela agenda ESG e itens como a redução de resíduos e da relação mássica, eficiência energética, a quantidade de componente de embalagem necessários à experiência real de uso do consumidor, entre outros aspectos de sustentabilidade e responsabilidade social. Embora sejam temas que estão no topo da agenda de discussões do mercado há tempos, são temas que continuam a ser muito desafiadores para todos aqueles que têm a responsabilidade de desenvolver novos produtos e que mais do que agradar, possam conquistar novos consumidores para as marcas do grupo e mantê-los dentro de casa. “Essa equação tem que ser positiva para nós porque, de um lado, a embalagem é um fator importante de escolha para o consumidor, principalmente para a primeira compra. Por outro, é inegável que os materiais de embalagem impactam muito o meio ambiente. Então nossos compromissos começam por aí”, explica Gustavo.

 A redução de resíduos e de relação mássica é uma demanda que transpassa todos os materiais produzidos e utilizados pela companhia, das fórmulas ao visual merchandising. Mas é claro que a área de embalagem é muito mais impactada do que qualquer outra por esses desafios, que vão além da embalagem em si. Como lembra Gustavo, alcançar esses objetivos passa pelo aspecto social, o S do ESG, muitas vezes esquecido nas discussões que envolvem desenvolvimento de produtos e embalagens. “A equação dessa questão passa, por exemplo, por como a gente desenvolve as cooperativas de reciclagem, para que possamos ter condições de usarmos cada vez mais materiais recicláveis e reciclados em todas as marcas e categorias do grupo, independente do seu posicionamento de preço”, aponta o diretor do Grupo Boticário. 

E não é só isso. Esses objetivos precisam ser alcançados sem que para isso se abra mão de um outro ponto fundamental para a sustentabilidade do Grupo Boticário. “Entregar as percepções de valor de cada marca e produto para o nosso consumidor, nas diferentes marcas e diferentes categorias do grupo, também é um compromisso inegociável para o Grupo Boticário”, explica Dieamant. Ele dá como exemplo a marca de produtos profissionais para os cabelos Truss, recentemente adquirida pelo grupo. Uma vez dentro do portfólio, ela passa a assumir os mesmos compromissos corporativos das outras marcas, mesmo sendo uma marca de maior sofisticação dentro do segmento de beleza. “Já estamos retrabalhando muitas coisas nas embalagens de Truss para que ela possa se alinhar às nossas políticas. O mesmo valeu para a O.U.I., nossa marca de perfumaria super premium, com os atributos de uma perfumaria francesa. Como nos mantermos dentro da estratégia corporativa, de sustentabilidade, sem perder o que a gente pode chamar de premiunização e sofisticação nos diferentes tiers de preços?, pontua o executivo.

Esse é um desafio que não está restrito às marcas mais sofisticadas e caras do portfólio do Grupo Boticário. A marca de maquiagem Vult, uma das líderes da categoria no varejo brasileiro, se consagrou por oferecer produtos de qualidade por um preço bastante acessível e competitivo. E cabe ao time de embalagens do Grupo Boticário conseguir se desdobrar para conceber embalagens que possam oferecer às consumidoras da marca, um produto com grau de sofisticação superior para aquilo que é considerado sofisticado naquela faixa de preço. “Aí entram muito as decorações diferenciadas, e as busca por parcerias com fornecedores para que possamos trazer algo novo, provocativo, disruptivo no segmento até, mas mantendo a identidade da marca, que passa pelo preço acessível”, reforça o diretor. De novo, são desafios que podem parecer fáceis para quem olha de fora acredita que com o porte e os recursos da companhia paranaense, tudo fica fácil. Mas o que era fácil, ou estava dentro das possibilidades de ser realizado, já o foi. Para ir além do ponto no qual se encontra hoje, os times de inovação e de embalagem do Grupo Boticário precisam se desdobrar para conseguir ir além. E isso envolve muito investimento em pesquisas e pessoas.

O dia a dia e o futuro
A área de Inovação e Desenvolvimento do Grupo Boticário, assim como outras empresas, tem uma estratégia muito clara e bem definida que diferencia o que é pesquisa do que é desenvolvimento. Pela área da gerente de Pesquisa e Inteligência de Produto do grupo, Clarice Sasson, não passam as encomendas feitas pelo Marketing com data para serem lançadas. Seu trabalho é o de estabelecer novas linhas de pesquisa que, em algum momento no futuro, vão estar prontas para alimentar a área de desenvolvimento de produtos, que precisa responder às demandas do dia a dia do negócio. 

As pesquisas de Clarice olham para horizontes H2 e H3, processos que ainda demandam tempo de pesquisa, testes ou que ainda estão em estágio embrionário de implementação e não permitem escalabilidade. A já tão mencionada questão da melhoria da relação mássica é um tipo de pesquisa que se enquadra bem nesse escopo de mais longo prazo. Ou como deixar de usar plástico proveniente do petróleo nas embalagens? Embora seja muito reciclado, o índice de reciclabilidade do plástico é bastante baixo, como lembra o diretor, com muitas dificuldades na cadeia dependendo do tipo de material. O Grupo Boticário tem um projeto de pesquisa conduzido pelo time da Clarisse, fruto de um trabalho de inovação aberta - que é bastante robusto no grupo -, que responde a essa demanda de gerar o plástico por meio de outras fontes que não seja o petróleo. “Fechamos uma parceria, da qual não podemos dar muitos detalhes ainda, mas estamos aproveitando óleo de subproduto de outras fontes, óleo vegetal que é resto do processo de produção de alimentos. Trata-se de um resíduo que gera um problema sanitário inclusive, porque pode acabar no esgoto. Mas existem companhias que aproveitam esses resíduos e dão outra destinação a eles, como o Grupo Boticário pretende fazer, gerando plástico”, conta Clarice. Embora essa nova solução não possa ser aplicada para 100% dos produtos do Grupo Boticário, até porque não existe uma cadeia de abastecimento para isso, é possível começar aplicando o em determinados componentes, como uma tampa de alguma marca de perfumaria do grupo. “Teremos uma novidade grande no próximo ano, fruto dessa pesquisa, em uma marca que fala bastante sobre isso”, revela Gustavo. No curto prazo, Clarice reconhece que o potencial para avançar com esses processos na área de embalagem deve permanecer limitado. “Mas, conseguir encontrar os meios para escalar esses processos de upcycling, podendo utilizar esses resíduos para compor materiais de embalagem, é um dos nossos grandes focos das pesquisas do grupo.

Outra linha de pesquisa de médio e longo prazo conduzida pela equipe de Clarice é sobre como gerar reciclagem a partir de outros processos que não sejam os convencionais, via hidrólise química ou pela hidrólise enzimática de materiais para aumentar a reciclabilidade e, consequentemente, gerar eficiência energética. São esses projetos H2 e H3, que geram essa inovação para a empresa e, em algum momento, vão estar disponíveis para o time de desenvolvimento de produtos, um time mais aterrissado, que recebe uma demanda para ser transformada em produto. “Por isso que são processos muito diferentes aqui. Em embalagens, temos um time que trabalha com aquilo que já tem pronto, claro que gerando diferenciação, buscando aperfeiçoamentos, melhorias e a transformação das embalagens; e o time da Clarisse, que tem especialistas que olham para o futuro da embalagem, principalmente por meio da pesquisa de materiais e de design estrutural e gráfico”, reforça Gustavo.

Embalagem consumer centric
Para aperfeiçoar o processo criativo e de desenvolvimento de produtos (de embalagem também), o time de Inovação e Desenvolvimento do Grupo Boticário tem se valido de uma plataforma de pesquisa com consumidores que é abastecida continuamente com novos dados e é turbinada por novas tecnologias, como machine learning e inteligência artificial para melhorar a capacidade de extrair insights sobre entendimento do consumidor, seus hábitos e atitudes em relação a uma série de atributos do produto, inclusive e à embalagem. O processo faz com que o desenvolvimento de embalagens no Grupo Boticário, tenha as condições para se dar numa dinâmica consumer centric, ou seja, colocando o consumidor no centro do processo de desenvolvimento. Com a ferramenta rodando já a algum tempo, os profissionais já conseguiram absorver essa dinâmica, que muitas vezes aponta para direções que vão em uma direção completamente diferente daquela que o senso comum entre profissionais da área de embalagem na indústria de beleza tende a acreditar. Mas no início do processo, descobrir que o consumidor pouco valoriza aqueles elementos na embalagem complexos, que demandaram anos de pesquisa e investimentos, e que os profissionais da área acreditam ser algo revolucionário, representou um belo tapa na cara dos especialistas.

Um estúdio para chamar de seu
Clarisse também está à frente de outra iniciativa estratégica para a área de embalagens do Grupo Boticário: o estúdio próprio de design e prototipagem, localizado no centro de inovação da empresa em São José dos Pinhais, Paraná, que também foi ampliado recentemente. Com o estúdio próprio, o grupo trouxe para dentro de casa boa parte do processo de criação e design de embalagens, tanto estrutural quanto gráfico. O estúdio conta com aproximadamente 15 designers que se dedicam exclusivamente às marcas do grupo, diminuindo o ruído no fluxo de informações e agilizando o desenvolvimento. As impressoras 3D que equipam o estúdio têm capacidade de imprimir todos os tipos e qualidades de material, além de permitirem tudo com capacidade de impressão de todos os tipos e qualidade de material, o que nos ajuda nesse processo criativo. Todo esse ferramental tem contribuindo de forma significativa para diminuir o go to market dos novos produtos das marcas do grupo. E com o Grupo Boticário avançando em tantas frentes novas, de forma acelerada, a estrutura da sua área de embalagens fará muita diferença para o sucesso. 

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