Testes em animais: nada será como antes

A nova legislação europeia que proíbe os testes em animais em toda a cadeia cosmética foi aprovada. Contudo, o que, de fato, vai mudar na produção de cosméticos no Velho Continente? Susanne Höke, Legal Officer da Comissão Europeia, responde a essa questão          
 

O dia 11 de março de 2013 ficará marcado como uma data emblemática não somente para o segmento cosmético, mas também para as instituições que há décadas lutam pelo bem-estar dos animais. Foi nesse dia, que o Parlamento Europeu aprovou a lei que proíbe a utilização de dados para testes de segurança, que tenham sido obtidos por meio de experiências em animais, em toda a cadeia cosmética.

Esse foi o último capítulo de uma história que há anos vem se desenrolando. Em 2004, a União Europeia aprovou a lei que proibia a comercialização de produtos cosméticos que tivessem sido testados em animais, em todo o continente europeu. Porém, a proibição de 2004 deixava de fora os fornecedores de ativos e ingredientes, parte importante da cadeia de cosméticos, por seu papel fundamental na descoberta  de novas matérias-primas e tecnologias cosméticas que são a chave para o desenvolvimento e crescimento desse setor.

Em 2009, a Comissão Europeia fixou um prazo de dois anos para que a proibição fosse estendida para toda a cadeia. Março de 2013 chegou, e apesar das reclamações da indústria, que teme uma desaceleração no processo de inovação- pois ainda existem alguns tipos de testes que não possuem uma alternativa ao animal- o Parlamento Europeu aprovou a proibição da comercialização de produtos cosméticos, que tenham sido testados em animais, em qualquer parte de seu processo produtivo.

Antes mesmo da decisão europeia ser oficializada, algumas empresas ao redor do globo já se posicionaram a respeito. No dia 08 de março, a maior empresa japonesa de cosméticos e uma das mais conceituadas marcas de prestígio do mundo, a Shiseido, anunciou que o conselho executivo da companhia decidiu se alinhar com as decisões europeias, e banir, até abril deste ano, os testes em animais em toda a sua cadeia produtiva. Espera-se ainda, que a decisão europeia seja o pontapé inicial para um processo de proibição de testes em animais na cadeia cosmética, que deve tomar corpo também em outros mercados.

Porém, apesar da boa notícia que deve estimular o investimento no desenvolvimento de testes alternativos, assim como diminuir o sofrimento animal, algumas questões sobre como essa lei vai funcionar na prática, e de seu impacto direto na cadeia, não somente na Europa, como no mundo todo, começam a  surgir.

Para sanar essas dúvidas que provavelmente já começaram a rondar os profissionais da indústria cosmética brasileira, Atualidade Cosmética conversou com Susanne Höke, Legal Officer da Direção Geral da área de Saúde e Consumidores-Tecnologia da Saúde e Cosméticos, da Comissão Europeia. Na entrevista a profissional esclarece questões ainda nebulosas sobre a proibição europeia de 2013, como, por exemplo, como tal lei será fiscalizada, o que de fato irá mudar na produção de itens cosméticos no continente, e como as indústrias devem agir quando necessitam fazer um teste que ainda não possui método alternativo disponível.

Atualidade Cosmética: O que de fato irá mudar na produção de cosméticos com a nova regulamentação que proíbe a realização de testes em animais em toda a cadeia cosmética?
Susanne Höke:
Essencialmente, o que mudará é o fato de que a avaliação de segurança de ingredientes que compõem os produtos cosméticos, não poderão mais estar embasados em dados que tenham sido conseguidos por meio de testes em animais. Provavelmente, isso irá limitar, para alguns, a extensão do número de novos ingredientes utilizados em cosméticos, assim como também poderá impactar alguns ingredientes já existentes.

A própria Comissão Europeia confessou que não será possível utilizar testes alternativos em todos os casos, consequentemente, a regra não poderá ser aplicada de maneira geral. Quais são esses casos (quais testes ainda não foram desenvolvidos métodos alternativos para teste de produtos ainda), e como as empresas, tanto as de matéria-prima quanto as de produtos acabados, devem proceder quando se veem nessa situação?
De fato, a Comissão confirmou que a total substituição dos testes em animais ainda não é possível, sendo que os testes de Toxidade Aguda, Irritação Ocular, Toxidade de Dose Repetida, Carcinogecidade, Sensibilidade Cutânea, Toxidade Reprodutiva e Toxicocinética, ainda não puderam ser totalmente substituídos. Entretanto, a Comissão estabelece que as empresas podem seguir utilizando dados coletados em pesquisas que utilizaram animais, se estas foram realizadas antes da data que proibi o uso dos testes; assim como pode igualmente dispôr de dados gerados para atender aos requisitos legais vigentes em mercados que não sejam o cosmético, por exemplo, o farmacêutico. Caso uma empresa não tenha como confirmar a segurança de um ingrediente baseando-se nesses dados, ou utilizando algum tipo de método alternativo, a regra ainda se aplica, o que significa, na prática, que aquele determinado ingrediente não pode ser utilizado em um produto cosmético comercializado no mercado europeu.

Se a Comissão Europeia já tinha conhecimento de que alguns testes dependiam dos animais para serem realizados, por que a data para a total proibição dos testes em animais na cadeia cosmética, não foi prorrogada?
Postergar a proibição foi uma das opções consideradas na Avaliação de Impacto da medida, porém não foi a opção que a Comissão escolheu. Para resumir as razões dessa escolha, a Comissão considerou que um possível adiamento da proibição de comercialização de 2013 não refletiriam nas escolhas políticas do Parlamento Europeu e do Conselho quando da aprovação das respectivas provisões. As primeiras provisões de proibição de comercialização de produtos testados em animais foram introduzidas já há 20 anos atrás, sendo que foram adiadas em diversas ocasiões. A Comissão também avaliou que, uma mudança na proibição de comercialização de 2013, enfraqueceria seriamente a determinação de rapidamente desenvolver métodos alternativos de testes. Além disso, a Comissão também considerou a possibilidade de que a proibição de 2013 pudesse ser transformada em uma oportunidade para a União Europeia definir um exemplo de inovação responsável em cosméticos, com impactos positivos para além da Europa.

Como funcionará a fiscalização da proibição dos testes em animais nos produtos cosméticos?
A principal ferramenta que permitirá às autoridades dos Estados Membros da União Europeia verificar o cumprimento da proibição de comercialização de 2013 é o Dossiê de Informação do Produto, que deve estar de acordo com o Artigo 7º (1)h da Diretiva dos Cosméticos/ Artigo 11 da Regulamentação dos Cosméticos. Este documento deve conter os dados que dizem respeito a “qualquer teste em animal feito pelo produtor, seus agentes ou fornecedores, relacionado ao desenvolvimento  de avaliações de segurança dos produtos e ingredientes cosméticos, incluindo qualquer teste em animal desenvolvido para seguir a legislação ou os requerimentos de regulamentação de países terceiros”. O Dossiê também deve conter o relatório de segurança do produto cosmético, como especificado no Anexo I da Regulamentação Cosmética, que deve incluir informações sobre o perfil toxicológico da substância para todos os pontos toxicológicos relevantes e uma identificação clara da fonte de informação. Por meio dessas informações,  ficará evidente para as autoridades competentes se os dados que garantem a segurança do produto foram coletados por meio de testes em animais.

A Comissão considerou a possibilidade de que a proibição de testes que envolvem animais, pode refletir negativamente na capacidade de inovação das indústrias? Como a indústria, tanto de produtos acabados quanto de matéria-prima, tem reagido a essa medida?

Os impactos na capacidade de inovação da indústria foram considerados na Avalização de Impacto. De fato, nem toda a indústria cosmética concordou com a decisão da Comissão de permitir que a proibição dos testes entrasse à força.

Você acredita que esse pode ser o primeiro passo para um movimento que deve ser observado ao redor do mundo em alguns anos?
De fato, vemos sinais de que cada vez mais países se mostram interessados em nossa abordagem, assim como no uso de métodos alternativos ao invés de testes em animais. Em que extensão isto irá se traduzir em políticas concretas nos próximos anos, isso é difícil prever.
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