Marcas próprias - Caminho aberto para crescer

Marcas próprias - Caminho aberto para crescer

Em um momento de custos e margens pressionadas e com os consumidores ainda às voltas com uma economia claudicante, olhar para o desenvolvimento de marcas próprias nas áreas de higiene e beleza é uma alternativa que o varejo brasileiro pode finalmente querer abraçar com as duas mãos 

Historicamente, o varejo multimarcas de bens de consumo não duráveis (no qual estão inseridos os canais alimentar, farma e de beleza) é um negócio que oferece margens pequenas. Mesmo para as maiores varejistas do mundo, com todo o seu poder de barganha, melhorar esses indicadores é uma tarefa hercúlea. Muito desse trabalho se dá pela ponta do corte de custos operacionais. Olha-se para tudo, do número de luminárias ao prazo médio dos estoques, passando pelo número de itens dispostos nas gôndolas e de profissionais atendendo nas lojas. Mas existe um limite para que isso seja feito sem afetar a tão falada e importante experiência de compra do cliente, que não raro tem demandado mais investimentos das varejistas. Também na relação com as marcas, por maior que seja o poder de pressão das redes, existe um limite até onde a indústria pode chegar para vender seus produtos no varejo. Só que quem vende os produtos da indústria para o consumidor, nesse caso, não é a própria indústria, mas sim o varejista. É nas lojas, e não nas fábricas, que o consumidor vai em busca de melhores preços e mais descontos. Ou seja, a pressão direta sobre as margens do varejo vem de todos os lados, espremendo-as um pouco mais a cada dia. Por isso, cada centavo importa nessa conta.   

Mas o varejo tem caminhos para tentar alargar suas estreitas margens por outras frentes. Uma delas é a oferta de produtos de private label, as marcas próprias ou exclusivas da varejista. Isso não configura nenhuma novidade. Varejistas trabalham com uma ampla oferta de produtos de marcas próprias há muito tempo. Só que no segmento de higiene pessoal e beleza, as marcas próprias nunca tiveram muito espaço. Existiam motivos para isso. Primeiro, a percepção de que as consumidoras até poderiam usar um produto de marca própria do supermercado (que não tinha nenhuma preocupação com a construção de imagem de marca) para a limpeza doméstica, ou mesmo em algumas categorias de alimentos, mas elas jamais passariam um shampoo ou um creme de rosto com a marca da varejista. Do lado dos supermercadistas, que era o canal que já tinha suas marcas próprias, a complexidade de ter um portfólio próprio de higiene e beleza e os volumes de venda que ele poderia gerar, não justificavam “tirar” espaço das marcas tradicionais, que de um jeito ou de outro, entregavam uma margem razoável.

A realidade hoje é bastante diferente. Especialmente nos países desenvolvidos, os produtos de private label têm presença garantida nas gôndolas de varejistas de diferentes canais e em um número muito grande de categorias, incluindo aí as de higiene e beleza. Em algumas categorias, o conjunto de marcas próprias, quando somadas, eleva o conjunto desses produtos as primeiras posições em termos de market share. Os varejistas, que antes só se preocupavam em ter com as marcas próprias, um produto alternativo e de menor custo em relação às marcas líderes, sofisticaram o seu entendimento sobre os seus consumidores e passaram a desenvolver um portfólio de produtos capaz de competir com as marcas da indústria não só pela vantagem do preço (que continua sendo um valor fundamental para essas marcas), mas porque os produtos oferecem um mix de qualidade, performance e imagem de marca que os faz ser percebidos pelo consumidor como produtos tão bons quanto qualquer outro. Dois dos melhores exemplos globais disso são a Sephora, que tem no mix de produtos com a sua marca um dos seus grandes pilares de geração de tráfego e vendas; e a rede de drogaria britânica Boots, que tem na sua linha Boots Nº 9 uma marca campeã de vendas, não só no ranking da rede mas em todo o Reino Unido.

Aqui nos trópicos, dado o cenário econômico apertado tanto para o varejo quanto também para os consumidores, que têm buscado com mais frequência por uma oferta de produtos de bom custo x benefício, inclusive abrindo espaço para experimentar novas marcas, o ambiente para que o varejo pense com mais seriedade em lançar suas próprias linhas de higiene e beleza parece mais promissor do que nunca, com possibilidade reais de que muitas redes relevantes finque os pés de vez na categoria. 

Na América Latina, um estudo recente da empresa de consultoria e inteligência Kantar, mostra um avanço nas ocasiões de compras de produtos private label nos varejistas da região de 16%, mais do que o dobro do avanço de 7% nas ocasiões de compras de bens de consumo não duráveis de marcas tradicionais. E boa parte desse avanço tem sido puxado pelos produtos de beleza de marca própria. Os itens de Beauty & Grooming apresentaram um crescimento de 14% no volume de vendas. Atualmente, essas categorias respondem por apenas 5% do mercado de private label na América Latina. Outro estudo, este encomendado pela Associação Brasileira de Marcas Próprias e Terceirização (Abmapro) e realizado pela Nielsen em 2022, mostra o crescimento de valor de marcas próprias na média global de 3,5%. Na América Latina, esse número sobe para 27,4%. A Nielsen estimava que as marcas próprias estão presentes em 40% dos lares brasileiros.

Uma condição que tem favorecido a decisão de que mais redes de varejo se arrisquem no lançamento dos seus próprios produtos é a oferta de indústrias terceiristas disponíveis no mercado. Mais do que fabricar, essas empresas acabam cumprindo com um papel fundamental no processo de desenvolvimento dos produtos, cabendo a eles, em muitos casos, a responsabilidade pela formulação e por aspectos regulatórios, com os quais o varejista não está familiarizado. Outro fator importante é que os pedidos mínimos para cada item baixaram consideravelmente ao longo dos anos. Hoje, não é difícil para uma marca fazer pedidos de mil peças de cada com qualidade e dentro de um custo que não chega a ser proibitivo.

Construindo um novo negócio
Para enfrentar os desafios nesse novo mercado, é essencial para o varejista montar um plano de negócios de longo prazo, construindo um modelo sustentável para o private label tanto da perspectiva da indústria quanto do varejo. “A consolidação de uma marca própria precisa de muito trabalho e de tempo. Mas os frutos podem ser gratificantes e gerar muito valor para os varejistas. Não vejo um entrave nesse mercado, pois quando se compara o Brasil com a Europa ou Estados Unidos ainda temos muito espaço para ser desenvolvido. Existe muito espaço para o crescimento e ainda estamos no começo dessa jornada”, afirma Breno Grou, CEO da Sinter, uma terceirista baseada em Monte Mor, interior de São Paulo.

Embora restrito, a estratégia de marcas próprias no segmento de beleza se faz presente em redes relevantes para o mercado. Nomes como Lojas Renner, Panvel, Raia Drogasil tem estratégias bem consolidadas. A Riachuelo é outra que aderiu recentemente ao private label lançando sua primeira linha de produtos de banho, higiene e hidratação sob uma marca proprietária. No varejo especializado, a Iap! Cosméticos, do Ceará, uma das cinco maiores redes do país em número de lojas, adota a estratégia de marcas exclusivas há alguns anos. Outra rede líder, a Soneda, trabalha para se lançar nesse negócio em 2024. Grou ressalta que, hoje, a marca própria não tem a ver apenas com preço. “O principal é oferecer produtos de extrema qualidade e ganhar valor com camadas de inovação e sustentabilidade”, afirma Grou, para quem pensar em categorias ainda não desenvolvidas também é uma grande oportunidade para os lojistas que atuam nesse segmento.

A rede gaúcha de drogarias Panvel, uma das maiores do País, com mais de 500 unidades na região Sul e em São Paulo, é uma referência histórica quando o assunto é o desenvolvimento de marcas próprias nos segmentos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos no Brasil. 

As vendas de produtos com a marca Panvel, considerando todos os segmentos, cresceram 18,2% no terceiro trimestre, com participação de 7% no faturamento total do varejo, R$ 77,1 milhões. O mix de higiene e beleza representou 17,4% das vendas de marca própria nesse período (17,5% no acumulado do ano). “São números que reforçam o posicionamento dos produtos Panvel como benchmark do varejo farma brasileiro”, afirma Roberto Coimbra, diretor executivo de operações do Grupo Panvel. 

“Neste terceiro trimestre, percebemos o aumento da demanda por produtos de cuidado e beleza. A marca Panvel Make Up é líder da categoria maquiagem na rede, com crescimento de 32,3% nas vendas em relação ao mesmo período do ano passado. Produtos relacionados ao cuidado com a pele também apresentaram excelentes resultados, com destaque para a linha Panvel Faces”, conta.  No total, a empresa possui mais de mil SKUs ativos de marca própria. 

No ano em que a rede de farmácias completa 50 anos, a companhia quer ver esses números crescerem ainda mais. Para isso, reforçou sua estratégia e deve fechar 2023 com 350 lançamentos, que incluem produtos de hidratação e perfumação corporal, higiene bucal infantil e maquiagem. “Temos várias linhas com o nome Panvel e temos orgulho pelo nome do grupo reforçar a qualidade e a tradição da nossa marca”, afirma Coimbra. Recentemente, a Panvel relançou muitos dos sucessos da trajetória da marca própria, como  Panvel Secrets voltou às prateleiras em outubro em uma nova versão e com novo nome, “Panvel Morango com Champagne”, contemplado spray corporal, sabonete esfoliante corporal e loção hidratante corporal.

Aproximadamente 35% dos produtos da marca própria da Panvel são produzidos pela Lifar, empresa do segmento Industrial fundada em 1969 e controlada pelo Grupo Panvel. A Lifar  atende, além da própria operação de varejo da Panvel, desenvolve e fabrica itens como dermocosméticos, proteção solar, cuidados faciais, perfumação de ambientes e cosméticos de uso diário, além de alimentos e suplementos alimentares para marcas no Brasil e no exterior. Para o os outros itens que não são fabricados dentro do grupo, a Panvel conta com outros parceiros terceiristas.

Linha reforçada
Controladora das bandeiras Raia e Drogasil, a RD estabeleceu há alguns anos uma estratégia de marcas próprias para desenvolver esse negócio em suas lojas. Na verdade, a origem da estratégia é anterior à fusão das duas gigantes, em meados da década passada, que deu origem a maior rede do varejo farma brasileiro. Ela remonta a decisão da Raia de apostar no desenvolvimento da sua marca Needs. Lançada em 2010, a marca Needs representa mais de 50% do faturamento das marcas próprias RaiaDrogasil, que em 2022 atingiram a marca de R$ 1 bilhão, 55% a mais do que em 2021.

Agora em outubro, a marca apresentou o novo Creme Preventivo de Assaduras com D-pantenol da linha Needs Baby. “Cuidar da saúde das pessoas de forma integral é um compromisso da Needs e de todas as empresas que compõem a RD. Quando falamos de um público tão delicado como os bebês, essa preocupação precisa ser redobrada. O Creme Preventivo de Assaduras da Needs Baby não usa fragrâncias nem corantes e foi desenvolvido pensando também em oferecer preços mais acessíveis e praticidade aos pais. É fácil de aplicar, se espalha pela pele sem causar desconforto à criança”, diz Renata Mascarenhas, diretora de marcas próprias da RaiaDrogasil. “O nosso grande desafio é promover o acesso a produtos de qualidade ao mesmo tempo em que inovamos e trazemos a sustentabilidade como princípio no desenvolvimento de produtos”, emenda Renata.

Ponto de apoio
Friedrich Ziegler, da Unitech, empresa de terceirização de cosméticos sediada em Gaspar, Santa Catarina, afirma que a demanda por marcas próprias no mercado de higiene e beleza tem crescido nos últimos anos, impulsionada por diversos fatores, como a busca dos consumidores por produtos de bom custo-benefício, diferenciação e exclusividade do mix (com a adição de marcas exclusivas), tendências de sustentabilidade, agilidade e inovação e até mesmo consciência de marca. “A percepção da marca está cada vez mais associada à qualidade, e não apenas ao preço”, afirma Ziegler. O industrial acredita que os consumidores estão mais abertos a experimentar marcas próprias, especialmente quando estas são associadas a grandes redes varejistas ou são bem avaliadas por outros consumidores. Isso tem tornado o cenário do mercado de marcas próprias em higiene e beleza mais competitivo e inovador, com um potencial significativo de crescimento que, agora, parece caminhar para ser concretizado. 

Esse novo cenário também traz novos desafios para quem atua com marca própria. Ziegler destaca a concorrência intensa como um dos principais. “Com tantas marcas já estabelecidas nessas categorias e outras novas entrando constantemente no mercado, as marcas próprias precisam se diferenciar para conquistar e manter a fidelidade dos clientes”, diz. 

Outro desafio é que o varejo lida no seu core business com cadeias de abastecimento muito diferentes daquelas da indústria. A ruptura é um problema crítico tanto para o varejo quanto para a indústria, só que enquanto no varejo ela é materializada na falta de produtos nas prateleiras, numa operação industrial ela tem a complexidade multiplicada por muitas vezes. Problemas na cadeia de suprimentos, como escassez de matérias-primas ou atrasos de fabricação, também podem apresentar riscos e afetar a capacidade de manter os produtos em estoque e atender à demanda. Basta faltar um, dos muitos componentes da formulação ou da embalagem, para que toda a produção trave. Daí a importância de o varejista estabelecer um bom relacionamento com as indústrias de terceirização. Por não ser o negócio do dia a dia da empresa, é muitas vezes preciso contar com o suporte deles para desempenhar os processos mais elementares não só da fabricação, mas do próprio desenvolvimento e testes das formulações.

Além do mais, as marcas próprias precisam lidar com todas as questões que as marcas em geral lidam, como desafios regulatórios, sustentabilidade, investimentos em marketing, digitalização e tecnologia. Ziegler afirma que é preciso estar atento a todos aspectos para, principalmente, fortalecer a marca própria diante da concorrência. “Muitos consumidores ainda preferem as marcas conhecidas e estabelecidas no mercado, o que pode ser um obstáculo para o crescimento de marcas próprias”, explica. “Esses desafios exigem uma abordagem estratégica e flexível, foco na qualidade e inovação, e um entendimento profundo do mercado e dos consumidores para serem superados com sucesso”, acrescenta.

Outro ponto que merece todo cuidado, segundo Ziegler, é a manutenção da qualidade e consistência. Ele ressalta a importância de garantir a alta qualidade e a consistência dos produtos, como algo crucial para construir e preservar a confiança na marca do varejista. Para Breno Grou, há alguns anos os produtos de marca própria atendiam aos consumidores que procuravam preço baixo e somente isso. “Hoje, percebemos que os varejistas estão buscando inovar e agregar mais valor para as suas marcas, ofertando um portfólio amplo de produtos, incluindo alta qualidade, fórmulas inovadoras e embalagens mais atraentes”, afirma. “Acredito que essa tendência continuará a impulsionar o crescimento de marcas próprias no mercado de higiene pessoal e beleza no Brasil”, conclui.

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