Varejo de beleza - Ainda dá para sustentar o "quer parcelar em quantas vezes?"

Varejo de beleza - Ainda dá para sustentar o

Por que o varejo especializado em beleza precisa olhar com mais atenção para o custo de financiar as compras dos seus clientes em longas e suaves prestações?

Inflação e juros altos, consumo pressionado, balanços de grandes empresas do setor com resultados ruins, crédito escasso e impactado pelo caso da Americanas e, mais recentemente, por crises em outros varejistas relevantes, como a rede de móveis Tok & Stok. O cenário econômico para o varejo não é dos mais alvissareiros. Muitas varejistas avançaram com força durante os anos de pandemia - quando não davam conta de atender a toda a demanda -, e tomaram aquele cenário específico e muito peculiar de 2020 e 2021, como uma nova realidade, um “novo normal” no qual as vendas seguiram aquecidas e com as pessoas de melhor renda, sem ter onde gastar com serviços e turismo, por exemplo, direcionando mais dinheiro para o consumo discricionário de itens que em outra situação, elas não consumiriam nos níveis em que o fizeram, se é que consumiriam. Sim, o cenário que tem gerado aflição está muito atrelado a situação de empresas ou segmentos específicos do varejo. No caso do mercado de beleza, a penetração do online ainda é baixa, entre 6% e 7%, mas antes da pandemia era de 3%. Na Época Cosméticos, principal e-commerce do segmento de perfumaria e cosméticos, os negócios mudaram  de patamar. A empresa fechou 2022 com cerca de R$ 475 milhões em vendas. “Crescemos acima do mercado em 2020 e seguimos crescendo e ganhando share dentro do mercado online”, comemora Christiane Bistaco, diretora de Negócios da Época, parte do grupo Magalu.

Ainda assim, o acesso e o custo do crédito subiram para o setor de varejo como um todo. Em um negócio de margens tradicionalmente já bastante apertadas, o aumento no custo de capital precisa ser olhado com lupa. A indústria, que está na outra ponta da mesa, não costuma ter espaço para acompanhar o varejo nesse alargamento de crédito oferecido ao consumidor. Pelo contrário, muitas vêm elas mesmas buscando reduzir os prazos ofertados para melhorar a sua estrutura de capital. E no centro de tudo isso, um consumidor de renda média preocupado com a sua situação e que vê a renda comprimida por preços e inflação elevados afetar o padrão de consumo que ele tanto demorou a conquistar. “A soma disso tudo gera uma combinação explosiva do ponto de vista de gestão do caixa. É redução de lucro na veia”, diz Cesar Tsukuda, diretor-superintendente da Beauty Fair. Para ele, pior do que a redução de lucro, é que essa situação piora a geração de caixa significativamente, o que aumenta o custo de financiar a operação. “Acho que há limites para atender bem o consumidor”, emenda. 

Por isso, talvez seja este um bom momento para questionar a conveniência e mesmo a necessidade do varejo especializado em beleza parcelar as compras de bens do dia a dia, de custo relativamente baixo, em até 6x, 7x sem juros com parcelas mínimas de 30, 40 reais nas lojas físicas. Isso faz com que se possa comprar um shampoo ou um creme de R$ 100 - que vai ser consumido em algo entre um e dois meses -, para serem pagos em 90, 120 dias. No varejo seletivo, que trabalha com itens de um ticket médio mais elevado, esse parcelamento pode ser ainda maior, em até 10x, mesmo nas lojas físicas. No e-commerce então, ao tentar seguir a lógica dos players dominantes, muitas varejistas de beleza lançam mão de pagamentos em até 12x sem juros. 

O risco de carregar o custo financeiro
A quase totalidade das principais varejistas de beleza hoje, operam redes com algo entre 20 e 50 lojas e costumam ter receitas anuais na casa dos R$ 200 milhões, R$ 300 milhões ao ano. É um faturamento expressivo para uma varejista especializada em beleza, sem dúvida, e faz deles clientes muito relevantes para quase todas as empresas de cosméticos locais e mesmo para as multinacionais. Mas, para fins de negociações de condições comerciais, ainda não se pode equiparar a grandeza dos números que as perfumarias vem galgando desde meados da décadas passada, com o das grandes  redes do Farma e do Alimentar, segmentos nos quais existem dezenas de atores com receita na casa dos bilhões e que são fundamentais para as vendas da categoria. Sem a mesma profundidade de portfólio e qualidade de atendimento, é óbvio, mas que acabam na prática dividindo o bolso do consumidor quando o assunto é beleza. Mas, mesmo que com melhores condições comerciais, varejistas como a Raia Drogasil ou o Pão de Açúcar, quando muito, dão a opção de pagamento em três parcelas e não raro com tickets mínimos de parcelas muito mais altas. No caso das perfumarias, mesmo as maiores redes, não tem condições de exigir as condições de negociações e prazos que costumam ser acertados com as grandes redes (vale lembrar que mesmo com toda a dificuldade que envolvia operar com a Lojas Americanas, o prazo médio de pagamento deles aos seus fornecedores estava na casa dos 140 dias). Além disso, o ganho de escala também é limitado na comparação com outros canais, o que ao menos em tese, tornaria a conta do custo de capital, proporcionalmente, mais pesada. O fato de parcela importante dessas empresas ainda viver um momento de forte expansão de lojas (o que demanda ainda mais capital), torna o cenário um pouco mais complexo. 

Viciando o consumidor em X's
Afinal, faz sentido para as perfumarias vender shampoo, condicionador, batom parcelado? As próprias empresas de venda direta, que vendem muito mais produtos cosméticos do que o varejo no Brasil, abrem muito pouco espaço para isso. “Estruturalmente, o setor de beleza é dependente de renda e não de crédito. Parcelar pasta de dente me parece um pouco temeroso. Acho que nos próximos meses e anos, o mercado vai regular isso aí, porque os varejistas que abusarem dessa equação vão sofrer com problemas de liquidez e de geração de caixa bastante forte”, acredita Tsukuda. E até onde seria necessário uma análise setorial, coletiva dos riscos que sustentar esse modelo pode gerar para a saúde das redes do varejo de beleza? “Quem não se cuidar disso, abrir prazo demais e dar descontos acima do razoável não fica no mercado”, diz o diretor da feira. “Eu vejo casos de empresas que estão passando por dificuldade por causa disso, achando que o negócio era vender por vender, ganhar a venda, quando na verdade ele estava perdendo o negócio”, diz Jurandir Vieira, presidente da Solução Cosméticos, uma rede varejista especializada em beleza com 14 lojas no estado do Mato Grosso. Na varejista, que recém completou 25 anos, a opção foi por não fazer promoção, nem dar descontos. “A nossa formação de equipe é capaz de convencer o consumidor de que não somos uma loja de descontos. Buscamos sempre um argumento. Não vendo caro, mas também não vendo abaixo do que é necessário para manter o lucro.  Prefiro aumentar o prazo, é mais fácil acomodar o prazo do que dar descontos”, pontua o empresário.

Jurandir acredita que não existe a necessidade por parte do consumidor de mais prazo para pagar. Mas no seu caso, oferecer o parcelamento traz junto um raciocínio de marketing e branding. “Se faturo em uma única vez, a consumidora só vai ver o nome da Solução Cosméticos na fatura do cartão de crédito uma única vez. Quando parcelo em três, ela vai ver a minha marca por três meses. Isso me ajuda a fidelizar a minha marca na memória dele. Para nós, funciona como um reforço de marca. O raciocínio é esse, é mais barato parcelar fazer isso do que ir para a televisão anunciar a marca”, explica o varejista. Para ítens de maior valor, como itens de eletrobeleza e móveis para salões de cabeleireiros, o número de parcelas pode chegar a até 10x. “Isso faz com que eu altere o prazo para facilitar a compra do cliente, até como uma forma de fidelização”.

O problema para ele não está em oferecer o parcelamento nas lojas físicas, mas sim, não considerar o custo financeiro disso na hora de formar o preço, particularmente ao se tentar oferecer algo um pouco mais elástico quando se tenta não perder uma venda para a internet. "Às vezes, para não perder isso, mantemos o parcelamento, mas temos que saber trabalhar isso na hora de formar o preço do produto, é preciso embutir ao menos uma parte do custo financeiro”, reforça. Nós raramente recorremos à antecipação de recebíveis do cartão de crédito, mas é um preço que a gente paga para manter a fidelização”, continua Jurandir. A Solução atende ao público de classe A/B, principalmente, que de acordo com Jurandir, não pergunta muito sobre prazo. “Hoje, 35% do que eu vendo no varejo é pago no débito ou no pix, somado ao que é pago em dinheiro, 40% de tudo o que faturo é à vista. Isso me ajuda a criar ações para me livrar da concorrência. É mais ou menos o raciocínio. É muito comum numa compra maior, de R$ 1.000, nós mesmo oferecermos para ele a opção de pagar em 4x”, conta o empresário.

Vale competir com as gigantes digitais?

Os longos parcelamentos no digital ainda são a regra. Não importa se falamos de um grande varejista de eletrônicos ou da loja online de uma perfumaria. Além disso, existe sempre uma maior busca por preço no digital. Ao longo de sua história, a Época se notabilizou pela agressividade nos preços, algo reconhecido pelo mercado. Juntando isso, com a questão do parcelamento, têm-se uma conta de custo de capital que é relevante. E as marcas não vão acompanhar os prazos. Mesmo para uma empresa do porte da Época. 

Nada que não possa ser mudado quando a busca por rentabilidade e melhor alocação de capital faça com que as gigantes do setor deixem de querer bancar esse custo, a qualquer custo, para ganhar mercado. “A gente tem produtos de ticket médio muito diferentes. O parcelamento em 10x é uma prática do mercado brasileiro, uma prática bem agressiva. Mas acho que o mercado também foi se adequando à realidade, como foi o caso do frete grátis”, lembra Christiane. Por anos, o varejo digital ofereceu frete grátis a torto e a direito, o que nunca foi sustentável, mas foi largamente utilizado quando havia dinheiro disponível na internet para queimar caixa e ganhar mercado. Hoje, com raras exceções, isso está muito longe da realidade. Na Época, o frete é grátis a partir de R$ 99 para compras feitas pelo app, que é o cliente recorrente, e a partir de R$ 149 no site. “Você já vê muitos varejistas começando a cobrar um valor complementar de frete para compras entre R$ 149 e R$ 200. Cada vez mais, todo o e-commerce e todo o varejo - até pela pressão dos juros, que é uma pressão enorme -, está indo para um jogo mais racional. Ninguém tá muito disposto a rasgar dinheiro seja no frete, seja no parcelamento”, acredita a diretora do e-commerce. “(As empresas no e-commerce) fizeram um monte de coisas para ganhar mercado, mas isso tem um preço e uma hora vão ter que pagar essa conta”, acredita Jurandir Vieira, da Solução. “Hoje, vende-se online de São Paulo para o Brasil inteiro e não se paga o ICMS. Uma hora os governos vão corrigir isso. A internet não me faz perder o sono”, reforça o empresário. 

Para o superintendente da Beauty Fair, embora exista um risco não só da competição, mas até mesmo de uma eventual canibalização de margens geradas pelo digital, os lojistas cada vez mais estão buscando caminhos para entender os papéis e o valor de cada um dos canais.”Ainda é um tema que gera ruptura, mas acho que isso vai se equacionar. Está começando um movimento para acomodar isso”, acredita Cesar Tsukuda. 

A indústria não ajuda
A indústria é peça central nessa equação. Sim, para o varejo de beleza seria fundamental obter condições mais favoráveis (ou menos draconianas) junto aos seus fornecedores da indústria. Mas num contexto de margens apertadas e competição agressiva, a indústria, como dona das marcas, tem o poder de arbitrar eventuais conflitos entre varejistas e entre canais. “Por isso que eu digo, quando você tem uma indústria forte, ela consegue impor melhor o jogo e determinar as regras para todos os participantes. Até porque parte da construção da imagem da marca está na precificação. O varejo não pode precificar um produto muito abaixo do que o dono da marca entende que é o valor dela. Daí a importância de uma indústria forte, capaz de pilotar o preço na ponta”, acredita Tsukuda.

Por outro lado, as indústrias, na busca por um canal direto com o consumidor, também tem investido fortemente nos seus e-commerces para cumprir com essa missão. E muitas marcas são ainda mais agressivas nos parcelamentos nas suas tendas online, com valores mínimos de parcela ainda mais baixos. Da perspectiva da indústria, faz sentido criar todas as facilidades para gerar uma venda que pode ser de experimentação e para ampliar a base de clientes. O problema, é se nesse processo ela estiver fidelizando o consumidor no seu próprio e-commerce, com essas condições de pagamento agressivas. Se a loja própria começa a ganhar tração, cria-se mais uma camada de competição e de pressão por preço e parcelas que podem manter o varejo de beleza nesse círculo vicioso. 

Mas, voltando ao básico nas relações indústria e varejo, a negociação das condições comerciais, Jurandir Vieira diz que consegue negociar algumas ações específicas e que alguns fornecedores que ajudam a solução a bancar prazos de pagamento maiores. Mas fora esses casos específicos, ele não vê na indústria nenhuma sensibilidade em relação à questão dos prazos. “Pelo contrário, estão dificultando a nossa vida. Aqui no Mato Grosso,  até algum tempo atrás, fazia o pedido e com 10 dias corridos recebia aqui. Hoje, recebo depois de 20 dias. Se tiver que pagar em 28 dias, me sobram oito para vender e pagar a conta”, lamenta o diretor da Solução Cosméticos, que diz que falta a indústria pensar em algo mais maleável, capaz de enxergar variantes importantes em relação ao prazo, como o seu próprio prazo de entrega.  “O parcelamento é muito descasado do prazo médio de pagamento que nós temos com os fornecedores e hoje, a gente busca rentabilidade em outras linhas para continuar oferecendo ao cliente esse parcelamento”, reconhece a diretora da Época, que se vale do fato de fazer parte de um grupo muito grande como o Magalu nos favorece muito. Temos nos aproveitado disso para conseguir não impactar tanto o cliente. Além disso, temos algumas táticas como desconto em pix, estimulamos que o cliente pague em menos parcelas, porque de fato o custo com despesa financeira aumentou muito”, pontua Christiane. 

Apesar da maior força da indústria, existe uma dependência saudável de parte a parte.  O varejo de beleza tem entregas que a internet não consegue fazer. “Vejo que há certa cooperação da indústria para entender o momento do varejista. Não é só aumentando o prazo de pagamento que ele pode contribuir para a estrutura de capital da perfumaria. Ela pode vender volumes mais adequados, o que tem impacto direto no capital de giro. Cada vez mais, principalmente nas redes maiores, vejo que a indústria tem buscado entender o momento de cada um deles e customizar suas propostas, pensando na saúde do varejo, porque a indústria percebe que isso move os negócios”, conclui Cesar Tsukuda.

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